[PAPO RETO] Ser jovem em tempos de crise e golpes: ousadia, luta e sonhos

Você está visualizando atualmente [PAPO RETO] Ser jovem em tempos de crise e golpes: ousadia, luta e sonhos

Nossa geração passa por um momento histórico que demora para acontecer. Momentos como este ocorrem de tempos em tempos e dizem respeito a mudanças profundas na sociedade. Por acaso, esse momento se passa enquanto nós somos jovens sujeitas e sujeitos da nossa história. Somos jovens que sonhamos com um futuro e com um Brasil diferente. Lutamos e construímos a cada dia o mundo novo que queremos viver. E como sabemos, a juventude sempre foi, historicamente, a ponta de lança dos processos revolucionários e de enfrentamento aos inimigos do povo. Agora não está sendo diferente.

Compreendemos que a nova República brasileira sofreu três grandes crises e que agora estamos vivendo a quarta grande crise estrutural. A primeira delas, nos anos 30, estabeleceu a república como a conhecemos hoje e levou à presidência, por meio de um golpe, Getúlio Vargas.  A segunda crise, mais de vinte anos mais tarde, já foi impulsionada pela “criminalização da corrupção” e tem como resultado a morte de Vargas em 1954, que propicia condições para o adiamento do golpe militar, este que veio a ser dado 10 anos mais tarde. A terceira crise engloba o período em que a ditadura militar começa a se tornar escancarada para as massas e, assim, começa a perder força em meados dos anos 70 e 80. Gritos de liberdade, democracia e Diretas Já são entoados em todo o Brasil. Neste momento, o nascimento de organizações como o MST, a CUT e o PT são essenciais para o fortalecimento da luta do povo e, principalmente o PT, consegue aglutinar em torno de si e ser, para além disso, a síntese da organização popular neste período.

Porém, agora vivemos o que entendemos como a quarta grande crise republicana brasileira. Esta, parte também da crise internacional do capital, iniciada em 2008, que os governos Lula e Dilma, os quais compreendemos como neodesenvolvimentistas, conseguiram adiar tais efeitos na vida do povo. Porém, sabemos que tem-se um aprofundamento da crise econômica, principalmente por conta da diminuição das taxas de lucro do empresariado, que estavam caindo desde 2010, sem retomadas. Eles queriam seus lucros e nós, povo brasileiro queríamos nossos direitos. Mesmo com sinalizações favoráveis ao aumento da taxa de lucro dos empresários, vindos do Governo Dilma, como por exemplo na nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda em 2015, este setor não aceitou mais o acordo neodesenvolvimentista e rompeu com esta aliança, apoiando o golpe contra Dilma, em 2016.

Compreendemos que houve uma somatória de questões, as quais nos trazem à atual conjuntura. Como por exemplo, a ausência de um projeto nacional que tenha o povo e a soberania como centro, evidenciado principalmente no leilão do campo de Libra, do Pré-Sal, em 2013. Para além disso, a não-centralidade em relação a organização popular, podendo esta ter sido vinculada aos programas sociais dos governos neodesenvolvimentistas, aumentando assim o nível de consciência do povo e acirrando a luta de classes. Temos também um elemento forte que é o crescimento da ofensiva política e cultural do conservadorismo, do fascismo e da intolerância, o que coloca em risco completamente todos os avanços e direitos conquistados através da nossa história. Somados a esses elementos, as sinalizações não favoráveis do governo Dilma às organizações populares, de esquerda e progressistas, principalmente no pós-eleição de 2014, nos forçou uma postura que chamamos “apoio-crítico”, pois em uma conjuntura delicada, criticar simplesmente seria jogar água no moinho da direita e fortalece-la, ao passo que simplesmente apoiar o governo não nos era coerente, por conta dessas sinalizações favoráveis à manutenção do acordo neodesenvolvimentista com setores empresariais.

Apesar de tudo isso, hoje vivemos tempos de resistência. A esquerda comprometida com a democracia não foi vacilante em dizer que era um golpe e exigir o Fora Temer. Grandes mobilizações em 2016, a Greve Geral de abril de 2017 e agora no último mês as mobilizações em torno da defesa de Lula e da democracia, nos mostram que mesmo em períodos espaçados, a resistência cresce. Mas cresce em resposta às derrotas que o judiciário, a grande mídia, o congresso e Temer nos impõem, como a aprovação do impeachment, das reformas e a condenação de Lula no último dia 24 de janeiro.

Analisando toda essa conjuntura, apontamos que as manifestações que virão, tem um grande potencial de proletarização, mas isso só acontecerá se nós tivermos a capacidade de dialogar com o povo, mas principalmente com a juventude da classe trabalhadora em todos os locais em que ela se encontra.

Sendo assim, para o primeiro semestre de 2018, a Frente Brasil Popular está dialogando e construindo amplamente a meta-síntese que está sendo o Congresso do Povo. Essa ideia tende a ganhar força nos próximos meses, enquanto um processo de construção, para que possamos realiza-lo na metade do ano, contando com a participação do povo brasileiro que não necessariamente se mobilizou e foi às ruas depois das últimas derrotas impostas pelo governo golpista. Temos o desafio de fazer do Congresso do Povo um espaço de politização do processo eleitoral que irá acontecer em outubro de 2018, assim como de formular um Projeto Nacional que tenha bases e caráter popular e de soberania, que até então estamos chamando de Projeto Brasil. Porém, devemos entender o Congresso do Povo como processo e não somente como evento a ser realizado. Com isso, a construção da nossa meta-síntese vai se dar no cotidiano, do diálogo com o povo e com a juventude, nas periferias, nas escolas, nas universidades, no campo e na cidade. Temos que jogar toda a nossa ousadia, alegria, criatividade e agitação e propaganda para este processo, pois temos condições reais de atingir muitas pessoas e colocar para todas e todos a necessidade e a viabilidade da organização popular como saída para a crise que estamos vivendo.

Nossa tarefa é fomentar a resistência democrática.

Neste ano viveremos um processo eleitoral que será diferente de qualquer outra eleição que nós jovens pudemos vivenciar. Será uma eleição onde a luta de classes estará explícita e o povo deve ser chamado a se posicionar sobre o nosso futuro. Esse processo eleitoral é a oportunidade que nós, setores democráticos e populares, temos para barrar o golpe, mas também é a chance que o golpismo tem para se legitimar e seguir desmontando nossos direitos e nossas vidas. Por isso existe a necessidade real de conseguirmos politizar essas eleições, dialogando com o povo, defendendo a democracia e denunciando a perseguição política sem provas feita ao Presidente Lula. Devemos estar atentas e atentos às ameaças de prisão feitas a ele pelo judiciário e pela grande mídia, pois defender Lula é defender a democracia.

Neste momento, não devemos abrir mão da histórica ousadia da juventude, mas temos que ter olhos bem atentos com a nossa segurança nessa conjuntura e saber combinar essas ações com a criação e formação de força social, de povo organizado que esteja ao nosso lado, pois bem sabemos que ações ousadas construídas isoladamente e sem apoio popular, tendem a propiciar a criminalização dos movimentos sociais frente ao povo, principalmente pelos setores da mídia golpista e pelo judiciário.  Devemos intensificar as lutas e mobilizações de rua em torno da defesa dos nossos direitos, pois como bem vimos, a derrota que impomos a eles com a necessidade de adiamento da Reforma da Previdência na última semana, foi também fruto de muita luta, organização popular e desgaste do governo golpista de Michel Temer, que não contabilizou votos suficientes para esse desmonte. Portanto lembramos de que só a luta muda a vida. Só a organização popular tem condições reais e concretas de ganhos para a classe trabalhadora e que nesse momento de retirada de direitos, esse é o caminho da nossa vitória.

Temos que olhar para nossa história e aprender com ela. Ver o que de bom podemos reutilizar, sabendo em que momento aplicar, assim como a iniciativa da UNE-Volante, que, neste primeiro semestre se propõe a rodar universidades públicas de norte a sul, defendendo a educação e dialogando com a sociedade sobre o que está acontecendo no Brasil. Não estamos inventando a roda. A UNE-Volante foi uma iniciativa da União Nacional dos Estudantes que, junto com os Centros Populares de Cultura, no início dos anos 60, quando também vivia-se um momento crucial, rodou o país se propondo ao diálogo e a construção de um Brasil mais soberano.

Portanto, sabendo que o momento não é fácil e tendo noção da importância do nosso papel, por sermos juventude nestes tempos, temos condições de organizar muitas e muitos jovens de norte a sul do país, principalmente em torno do Congresso do Povo. Sabemos que as quebras impostas à luta de massas e à resistência democrática se dão com duros golpes, mas não podemos baixar a cabeça. É tempo de luta de classes, é tempo de ofensiva. E se temos a certeza que é tempo de golpes, temos a certeza também de que é tempo de resistência, de organização, de formação e de luta. É tempo de criatividade, de arte como luta, é tempo de defender a democracia e o nosso futuro.

*Mariana Lemos – Diretora de Universidades Particulares da UNE e militante do Levante Popular da Juventude