Reforma política via constituinte para se ter reforma urbana

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por Guilherme Robeiro, militante do Levante na Bahia

No dia 10 de julho, completaram-se 14 anos da promulgação do Estatuto da Cidade, que foi fruto de intensas lutas dos movimentos pela reforma urbana que se iniciaram ainda na década de 60 (sendo caladas pela ditadura militar) e mobilizaram milhões durante a Constituinte dos anos 80. Esse Estatuto normatiza garantias e instrumentos que visam à consolidação do Direito à Cidade e da própria Reforma Urbana, tema este que precisa ser melhor apropriado pela juventude, movimentos sociais e poderes públicos, sobretudo após as manifestações de junho/julho de 2013 e a mudança conjuntural no cenário da luta de classes no país.

O Brasil é um dos países cuja taxa de urbanização está entre as mais altas do planeta. No último censo do IBGE, a população que vive nas cidades chegou ao percentual de 84,4% do total de brasileiros (2010). Ao observarmos que entre 1950 e 2010 a população que vive nas cidades saltou de aproximadamente 19 milhões para 161 milhões de habitantes, percebemos que a nossa urbanização se deu de forma extremamente acelerada, tumultuada e, sobretudo, desigual, na medida em que os benefícios e melhorias na malha urbana foram desfrutados por uma pequena minoria de seus habitantes, deixando à margem do processo uma grande massa que foi destinada à pobreza e à segregação socioespacial.

Tais desigualdades produzidas ao longo do processo da urbanização brasileira foram, sem dúvidas, induzidas por um aparato estatal guiado por interesses de uma minoria economicamente dominante que vive da concentração de terrenos e da especulação imobiliária nos centros urbanos. Ou seja, rentistas sanguessugas que comandam planos diretores urbanos, empreendimentos imobiliários e todo um conjunto de serviços empresariais (empresas de transportes, redes de shopping centers, etc.) que diariamente excluem a classe trabalhadora do processo de desenvolvimento social e de viver dignamente na sua própria cidade. Exclusão essa, aliás, que afeta especialmente a juventude negra, pobre e da periferia, e num contexto de ataque aos direitos fundamentais protagonizado pelo ditador Eduardo Cunha e seus comparsas, tende a se aprofundar cada vez mais essa tragédia social.

As cidades brasileiras são verdadeiras “bombas-relógio”: se o sistema capitalista gera em si o cerne de sua própria destruição, que é a classe trabalhadora, as cidades abrigam em si aqueles/as sujeitos/as potenciais da transformação deste sistema. Por isso, entender a lógica de opressão e segregação que existe nas cidades, com todas as suas contradições, é entender também como agem os operadores do capital. Não é demais lembrar que a explosão das ruas em junho/julho de 2013 teve como um de seus epicentros justamente os problemas urbanos: falta de mobilidade urbana, condições indignas de transporte, moradia e outros direitos sociais, repressão estatal (no caso, violência policial), etc.

reforma urbbana

A classe trabalhadora tem vários fronts na batalha pela Cidade. Um deles é sem dúvida a Reforma Política. Em levantamento feito pelo G1 nas eleições municipais de 2012, construtoras, empresas de engenharia e incorporadoras foram responsáveis por mais da metade das doações a partidos políticos. Dos R$ 751,8 milhões recebidos em 2012 (ano de eleições municipais) por 27 partidos para financiamento das atividades partidárias e das campanhas, 55,3% (R$ 416 milhões) vieram de empresas do segmento de construção. A situação não foi diferente nas eleições do ano passado. Parte dessas empresas está diariamente envolvida em escândalos nacionais de corrupção. Ou seja, o capital movido por essas empresas para eleger capachos no Congresso, além de descomunal, alimenta o ciclo dos interesses patrimonialistas e rentistas das classes dominantes.

Devemos aliar as mais diversas pautas da reforma urbana, como mobilidade nos transportes, passe livre, saneamento básico, moradias em espaços adequados, IPTU progressivo no tempo, gestão orçamentária participativa, dentre outras, a uma luta política unitária, ou seja, de interesse de toda a população, e a Constituinte Exclusiva do sistema político é o horizonte que se apresenta com mais concretude.

A contrarreforma política aprovada recentemente pela Câmara de deputados e capitaneada por Eduardo Cunha mudou tão pouco e atingiu coisas tão insignificantes – o sistema político-eleitoral piorará ainda mais, podem apostar – que a proposta da Constituinte se mostra a mais acertada e com maiores chances de promover a tão sonhada Reforma Política.

Portanto, queremos um Congresso que possibilite uma maior representatividade dos atores sociais em luta nas cidades; queremos o fim da ingerência do lobby das empresas nos processos eleitorais; queremos o empoderamento dos/as cidadãos/ãs que participam de conselhos municipais, bem como sua independência perante os poderes públicos e que suas decisões sejam respeitadas pelos órgãos executivos; queremos, enfim, que o Estatuto da Cidade seja implementado de forma integral nos municípios brasileiros e que o processo de Reforma Urbana seja dirigido pelas classes historicamente excluídas do Direito à Cidade. Para isso acontecer, queremos o povo no poder! E para a política melhorar, Constituinte Já!

O sol nasce e ilumina

As pedras evoluídas

Que cresceram com a força

De pedreiros suicidas

Cavaleiros circulam

Vigiando as pessoas

Não importa se são ruins

Nem importa se são boas

E a cidade se apresenta

Centro das ambições

Para mendigos ou ricos

E outras armações

Coletivos, automóveis,

Motos e metrôs

Trabalhadores, patrões,

Policiais, camelôs

A cidade não pára

A cidade só cresce

O de cima sobe

E o de baixo desce

A cidade não pára

A cidade só cresce

O de cima sobe

E o de baixo desce

A cidade se encontra

Prostituída

Por aqueles que a usaram

Em busca de uma saída

Ilusora de pessoas

De outros lugares,

A cidade e sua fama

Vai além dos mares

E no meio da esperteza

Internacional

A cidade até que não está tão mal

E a situação sempre mais ou menos

Sempre uns com mais e outros com menos

A cidade não pára

A cidade só cresce

O de cima sobe

E o de baixo desce

A cidade não pára

A cidade só cresce

O de cima sobe

E o de baixo desce

Eu vou fazer uma embolada,

Um samba, um maracatu

Tudo bem envenenado

Bom pra mim e bom pra tu

Pra gente sair da lama e enfrentar os urubus

Num dia de sol, recife acordou

Com a mesma fedentina do dia anterior”.

A Cidade (Chico Science)