Qual a relação da Lei Antiterrorismo, a mídia e os movimentos populares?

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Fernanda Targa, do Levante no Paraná

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 101/2015 que cria o crime de terrorismo no Brasil. Apesar do país já ter leis que regulam sobre práticas terroristas como homicídio e uso de explosivos, ainda assim o Poder Executivo levou ao Congresso o PL. A justificativa é a necessidade de o país atender às recomendações do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi) e evitar o rebaixamento do “grau de investimento” do Brasil.
Já sabemos que o argumento de “atender as recomendações do Gafi” é mais uma lorota para, na realidade, criminalizar e controlar manifestações políticas e reivindicatórias e os movimentos populares. O que derruba esse argumento são questões simples:

Primeiro: o Gafi não é um organismo com competência de rebaixar país algum. Patrick Mariano, integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares confirmou isso em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos (confira a entrevista)

Segundo: o que se recomenda é que o país tenha leis de combate ao financiamento do terrorismo. Não há a necessidade da formulação de toda uma legislação antiterrorista, com a criação de vários tipos penais. O que o Gafi indica é apenas a criminalização do financiamento do terrorismo.

Além da ameaça às lutas populares, vemos mais uma vez o governo cedendo às pressões internacionais. O Projeto de Lei que tipifica os crimes de terrorismo, já foi votado e aprovado na Câmara dos Deputados, mantendo a ressalva que excluía os movimentos populares do enquadramento na nova lei. Quando tramitou para votação no Senado a ressalva foi retirada pelo relator, senador Aloysio Nunes (PSDB-SP). Como foi alterado, o PL precisa retornar à Câmara dos Deputados para apreciação.

Esta não é a primeira tentativa de frear as lutas sociais sob a máscara de uma “lei antiterrorismo”. Em 2013, justamente o ano das jornadas de mobilizações que tomaram conta do país, um Projeto de Lei do Senado (PLS 499/2013), semelhante a este proposto em 2015, também visava a criação de uma lei antiterrorismo. A diferença é que o PL de autoria da Presidência da República tramita em regime de urgência.

Para conquistar mais algumas centenas de defensores do PL, a incansável imprensa golpista entra em ação e tem feito de uma tragédia como os atentados de Paris um trunfo para reforçar a necessidade da criação do crime de terrorismo no Brasil. Um crime que na história recente do Brasil não se tem qualquer registro.

Por essas e outras, nos angustiamos ao ver cenas como a do cinegrafista da Globo que desliga a câmera enquanto um morador de Mariana desabafa. Quando a imprensa é selecionada a dedo para cobrir a tragédia mineira. Quando nos faltam informações sobre um atentado em nosso próprio país e nos sobram informações sobre os mortos de Paris. Faz 10 dias dos atentados na capital francesa e a palavra terrorismo continua sendo a mais pronunciada nos telejornais. A lama já chegou ao oceano e quantas vezes ouvimos a palavra Samarco? Não cabe aqui avaliar quão trágico foi uma situação em relação à outra, mas, no mínimo, apontarmos um oportunismo tamanho.

Mas, o que para nós movimentos populares significa uma lei como essa entrar em vigor? Com ressalva ou sem ressalva ficaremos ainda mais às margens da lei. Com a reabertura política do Brasil e a Constituição de 1988, reconquistamos o direito de nos organizamos para defendermos nossas pautas. Podemos, ainda que muitas vezes inconstitucionalmente reprimidos pelos aparatos do estado, nos reunir em espaços públicos, nos manifestarmos, ocuparmos as ruas e utilizarmos nossas ferramentas de agitação e propaganda sem que sejamos clandestinos. Essa conquista que já chega aos seus 32 anos fragiliza-se pela possibilidade de entrar em vigor esta lei. Mesmo se mantida a ressalva que excluem os movimentos do enquadramento, ainda assim isso seria condicionante ao entendimento e avaliação subjetiva dos nossos magistrados.

Esse PL é um atentado à luta social de nosso país ainda mais num momento em que a capacidade de lutas e mobilizações do povo brasileiro está em ascensão. Jogar à subjetividade o tratamento de um tema como esse permite a criminalização das lutas e movimentos sociais, bem como a restrição à liberdade de expressão e organização. Com a criação desta lei, se constituirá também um instrumento legal de criminalização das lutas das mulheres, dos jovens e dos trabalhadores. Essa é descaradamente, mais uma tentativa de repreender e evitar mobilizações da sociedade. Esse cenário de criminalização dos movimentos tem se intensificado desde as jornadas de junho de 2013 porque, de fato (e eles lá sabem disso), é com os pés nas ruas que avançamos.