O jejum neoliberal e a Páscoa como celebração da vida

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O retorno do Brasil ao mapa da fome é o escancaramento do projeto neoliberal - Agência Brasil

Por Hellen Lima* e Paulo Romário**

Ao escrever esse artigo na semana da Páscoa, quando Jesus foi preso, torturado e morto pelo Império Romano, e que coincide com o aniversário de 57 anos do golpe militar no Brasil, gostaríamos de expor as contradições do governo genocida de Bolsonaro, começando pelo seu lema do período eleitoral e que continua a repetir: Brasil acima de tudo, Deus acima de todos. Bolsonaro e seu governo neofascista desconhecem totalmente quem foi Jesus e seguem atentando contra a sua história quando comemoram o golpe de 64, que denominam movimento 31 de março.

Com a reforma ministerial feita essa semana, em que o presidente mudou o ministro da defesa e viu os três comandantes das forças entregarem os cargos, Bolsonaro avança para ter mais controle sobre as forças armadas e a polícia. Demonstra que se prepara para um aumento dos conflitos sociais. Não podemos cogitar que uma das maiores tragédias na história desse país volte a nos assombrar. E, sob nenhuma hipótese, vamos tolerar a celebração da tortura e da morte. 

Dito isso, essa é uma semana de doces lembranças da infância. Vêm na memória os rituais das famílias e a tradição do jejum durante a Semana Santa. O jejum, na tradição cristã, existe como uma forma de sacrifício e de rememorar o sofrimento de Jesus pela libertação do seu povo. 

Assim, na Semana Santa, as famílias cristãs costumam entrar no jejum na quarta-feira pós-almoço e sair apenas no Sábado de Aleluia. Portanto, são dois dias e meio de jejum. Durante esse período as alimentações são: jantar na quarta-feira; almoço e jantar na quinta-feira; almoço e jantar na sexta-feira. 

Além disso, substitui-se a carne por peixes, afinal, a carne representa o corpo de cristo torturado e morto, além do derramamento de sangue segundo a tradição cristã. Durante esse rito da Semana Santa, as famílias, sobretudo as camponesas,  fazem trocas simbólicas de alimentos e de “jejum”. Elas saem de casa em casa num gesto de solidariedade oferecendo bolos, queijos, leite e as colheitas do período chuvoso: feijão, milho,  pamonha, canjica. 

Recordamos bem que, durante o segundo mandato do presidente Lula (2007-2010) e no primeiro mandato da presidenta Dilma (2011-2014), quando o Brasil saiu do mapa da fome e tínhamos várias políticas públicas de distribuição de renda que melhoraram a vida do povo brasileiro (Bolsa Família, aumento do salário mínimo acima da inflação, políticas de incentivo à agricultura familiar) e o país viveu pleno emprego, essa semana era aguardada ansiosamente, pois existia uma expectativa de muita fartura e de muita comida na horas das refeições. 

O que se enfrenta hoje, no entanto, é um jejum que não tem religião. Um jejum provocado pela falta do básico na mesa. Os alimentos que fazem parte da nutrição diária das famílias brasileiras sofreram aumentos estratosféricos – óleo e arroz lideraram a lista de maiores aumentos. A alta nos preços provoca um aumento significativo na cesta básica e dificulta que a maioria das famílias tenha acesso ao elementar e realize as refeições diárias.
    
O consumo de carne é um símbolo de fartura e ascensão social nas muitas culturas regionais do Brasil. A saída do Brasil do mapa da fome (2014) significou comida no prato e a saída de muitas famílias da condição de miséria. Hoje, o jejum da carne chega na mesa dos brasileiros e brasileiras como símbolo do retrocesso das políticas de garantia da alimentação e da soberania alimentar e nutricional. 

O jejum da Sexta-feira Santa deste ano não é um símbolo religioso de conversão, de fé e solidariedade ao sofrimento de Jesus. É um jejum simbólico não pela falta da carne, que já se tornou artigo de luxo, mas do direito à alimentação. Com a fome assolando e aterrorizando novamente as famílias brasileiras, alimentar-se apenas duas vezes ao dia tornou-se uma ação rotineira e não mais apenas por 3 dias, devido a um rito religioso. Isto é, sorte das famílias que ainda conseguem se alimentar duas vezes ao dia. 
    
A continuidade agravada da pandemia da Covid-19 soma mais de 320 mil mortes, com quase 4 mil vidas ceifadas diariamente pela irresponsabilidade do governo Bolsonaro, o qual, por muito tempo, negou a pandemia, nega a renda básica e, assim, o direito de ficar em casa aos trabalhadores e trabalhadoras, e nega a vacina. Não há outra forma de combater a pandemia que não passe pela vacinação em massa do nosso povo e por lockdown. A crise sanitária, somada à crise econômica e política que assola o Brasil de hoje, provoca o acirramento das desigualdades sociais e o aprofundamento da fome. 

O retorno do Brasil ao mapa da fome é o escancaramento de um projeto neoliberal que arquiteta matar seu povo. Portanto, hoje, o governo Bolsonaro tem suas mãos manchadas de sangue com a sua política genocida. Seus integrantes são os principais responsáveis pela dor e pelo choro das famílias que perderam seus entes queridos. Os responsáveis por essa política ultraliberal que mata o povo brasileiro de fome. Ao comemorar o golpe militar de 64, Bolsonaro e seu governo deixam claro que o seu compromisso é com a tortura e com a morte. 
    
Assim como, para o povo cristão, a esperança vem através da ressurreição de Cristo, o povo brasileiro também “esperança” uma virada da maré, que está na organização coletiva e na luta diária pelos nossos direitos. O mote é a urgência do auxílio emergencial no valor de 600 reais, que dará as condições mais propícias de manter uma família alimentada. 150, 250 ou 300 reais nem de longe garantem uma alimentação balanceada. Sem contar que serão 23 milhões de pessoas a menos a receber o auxílio emergencial de 2021.  Ainda assim, para quem nada tem, vai ser de muita ajuda.  

Logo, cabe a nós dos movimentos populares, sindicais, partidos de esquerda, progressistas e democratas deste país agitarmos: Fora Bolsonaro; Defesa do SUS e vacina para todos e todas; e volta do Auxílio Emergencial de R$ 600,00. É tempo de aumentarmos o nosso vínculo com o povo, construindo luta conjunta para resolução dos seus problemas concretos e, a partir disso, termos a sua confiança e força social para enfrentar esse governo genocida. 

A solidariedade popular é a alternativa para manter a Periferia Viva. Além disso, precisamos urgentemente propagandear a esperança de um Projeto Popular para o Brasil e animar nosso povo para a luta. Um projeto em que o povo esteja no centro do processo e onde o combate à fome seja prioridade. Não há outra maneira de celebrar a vida na Páscoa sem semear um outro projeto para o Brasil.
 

*Estudante de gastronomia e militante do Levante Popular da Juventude.

**Mestrando em Ciências Sociais e militante da Pastoral da Juventude Rural (PJR) e da Consulta Popular.

Edição: Cida Alves

Via Brasil de Fato PB