*Por Beatriz Simas Teles Romano
militante do Levante Popular da Juventude – BH
As eleições de 2014 marcaram uma polarização entre a direita e a esquerda que teve seu ápice no golpe parlamentar que retirou a presidenta eleita, Dilma Roussef, do poder. Esse golpe, articulado pelo Congresso e FIESP foi amplamente apoiado pela Rede Globo e setores conservadores da sociedade, que, sob a escusa de manifestar-se contra a corrupção, questionaram políticas de acesso e distribuição de renda implementados nos últimos governos do Partido dos Trabalhadores.
Internacionalmente, instaurou-se um cenário de crise econômica, em que houve uma baixa do preço das commodities e desaceleração da exportação, acabou por gerar uma diminuição do poder de compra da população e uma considerável retração econômica brasileira.
O PMDB ao assumir o governo do país, através de um golpe civil e midiático, optou por responder à crise instaurada com um projeto neoliberal, qual seja “ A Ponte para o Futuro”. O projeto peemedebista tem como essência a redução dos investimentos em áreas sociais e políticas públicas; privatizações das empresas brasileiras, remessas dos lucros para o exterior. Privilegiando uma burguesia rentista internacional, frente à produção interna. A aprovação da PEC do Fim do Mundo (PEC 241 na Câmara dos Deputados/ PEC 55 no Senado Federal) é um exemplo desta política liberalizante. Que teve como pano de fundo o reequilíbrio da balança financeira, mas que apenas beneficiará interesses imperialistas às custas da saúde e educação públicas, que terão seus investimentos congelados por duas décadas.
O governo golpista aliado ao setor financeiro fez uma clara opção por retomar a agenda neoliberal dos anos 90, punindo os trabalhadores por uma crise inerente ao sistema capitalista. Penalizando os mais vulneráveis da nossa sociedade, em detrimento da burguesia rentista.
Após fortes ataques à saúde, representados pelo projeto de precarização do SUS; e os cortes em programas de assistência social, restou demonstrado o seu interesse em desmantelar a Seguridade Social. O “alvo” seguinte, seria a Previdência Social. O que era apenas uma projeção dos setores mais progressistas da sociedade, concretizou-se com a apresentação da Projeto de Emenda Constitucional 287/2016. Chamada de PEC da Reforma da Previdência.
A seguridade social como um todo – da qual a previdência é integrante- é uma garantia constitucional, inclusa no rol dos direitos sociais e exige uma prestação positiva do Estado. É imprescindível para a busca do bem estar e justiça social, e representa uma árdua conquista dos movimentos sindicais, sociais e sociedade civil organizada.
Ressalta-se que o interesse na reforma previdenciária não é à toa, a parcela orçamentária destinada a financiar a seguridade, é a última não disponível para o mercado (22% do PIB). E, no contexto de crise, a burguesia volta seus olhos aos recursos destinados à previdência.
Para cumprir seus objetivos, e aprovar a PEC citada, a burguesia dissemina o mito de um “rombo” na previdência social. Juntamente com a mídia hegemônica, propagam a ideia de que há um enorme déficit nas contas da previdência, e para isso, realizam um cálculo mentiroso, em que só se contabilizam as contribuições sociais e benefícios pagos.
Entretanto, o orçamento da seguridade social é superavitário mesmo em tempos de crise, se somadas todas suas fontes de financiamento: PIS, COFINS, receitas de concursos de prognósticos, contribuições sociais patronais, dos trabalhadores, do poder público, entre outras.
Portanto, a proposta de reforma apresentada pelo governo Temer representa um grave retrocesso em direitos, um ataque frontal à classe trabalhadora e com grave repercussão econômica, política e social, nos mais diversos setores da sociedade.
No entanto, alguns setores da sociedade sofrerão mais as consequências da reforma, que outros. Analisaremos a seguir os prováveis impactos desta, na vida dos/as jovens, trabalhadores e trabalhadoras rurais, e mais detidamente na vida das mulheres.
Como já anunciava Beauvoir, “basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados”. As propostas da PEC 287/2016 vão de encontro aos direitos das mulheres. É sabido que as mulheres sofrem com a dupla jornada de trabalho, acumulando o trabalho doméstico, não remunerado; com o trabalho remunerado, aquele voltado ao mercado. Somadas as duas jornadas, as mulheres trabalham em média 6 h a mais que os homens por semana. São também as mulheres, que se encarregam da maior parte do trabalho de cuidados, com as crianças, doentes, idosos e pessoas com deficiências. Isso se dá por conta da divisão sexual do trabalho. E esses tantos trabalhos não são levados em conta, pelos cálculos do governo. Mas são essenciais para o funcionamento da sociedade e da estrutura produtiva, como um todo.
Desta vista, não é razoável, propor que mais da metade da população, que já sofre com jornadas exaustivas de trabalho, exerçam atividade remunerada por mais 5 anos, e consequentemente, contribuam por mais meia década. Outras propostas como a desvinculação do salário mínimo para o Benefício de Prestação Continuada, que é voltado para garantir o sustento de idosos e portadores de necessidades especiais de baixa renda, também afetarão mais gravemente as mulheres. Que são, em sua grande maioria das vezes, as responsáveis pelos beneficiários deficientes e idosos.
A proposta de reduzir de 100 para 50% da remuneração mensal inicial (RMI) da pensão por morte e auxílio reclusão também atingirá as mulheres, que são as maiores beneficiárias destes benefícios. É importante ressaltar que as mulheres também são as mais afetadas pelo desemprego e serviços precarizados, sendo as sujeitas que mais perderão com o dito projeto.
O projeto de emenda também atingirá a juventude. Pois essa categoria social está entrando no mercado de trabalho, e iniciando suas contribuições. Não tendo acesso às regras de transição e não possuem direito adquirido. Os jovens de hoje, dificilmente aposentarão com a integralidade do salário de contribuição. Isso significa que além de adiarem a aquisição do direito, também sofrerão com a redução dos valores dos benefícios previdenciários. Além disso, são os jovens que historicamente mais sofrem com o aumento do desemprego. Situação que pode se agravar, pela diminuição da reposição dos trabalhadores: ou seja, quanto mais tarde os mais velhos se aposentarem, menos vagas surgem para os mais jovens.
A proposta para os ditos “segurados especiais”, os trabalhadores/as rurais em regime de economia familiar, soa ainda mais absurda. Propõe-se que eles passem a contribuir individualmente e mensalmente. E também seriam atingidos pela proposta da idade mínima. Ou seja, para se aposentar por idade, os homens, teriam que trabalhar e contribuir por mais cinco anos, e as mulheres na mesma condição deveriam trabalhar e contribuir por mais uma década.
Hoje, os segurados especiais contribuem anualmente, sob o resultado da comercialização da produção. Isso se dá, por conta da natureza da atividade agrícola. Algumas culturas, como o café, por exemplo, possuem apenas uma safra anual. E a contribuição vale para toda a família envolvida na cultura familiar. Impor a contribuição individual, certamente, alijaria da proteção do INSS, muitas mulheres e jovens agricultores familiares; tendo em vista a tradição patriarcal da sociedade brasileira. Em que os homens, costumam controlar o dinheiro, terras, insumos e também a documentação do empreendimento familiar.
Restringir os direitos dos pequenos agricultores, extrativistas, pescadores artesanais, e trabalhadores do campo em geral, significa reduzir o desenvolvimento do núcleo familiar e da região. Resultando na precarização do trabalho rural, diminuição da produção, e aumento dos preços dos alimentos, e finalmente, êxodo rural. Exigir mais dez anos de serviço para as mulheres trabalhadoras do campo, que também sofrem com a dupla jornada, é compactuar com a super exploração das mesmas.
Por todo o exposto, barrar a reforma da previdência é uma pauta das mulheres, especialmente das trabalhadoras. E por isso, as mulheres das mais diversas organizações, dos mais diferentes sindicatos, movimentos sociais e também do movimento estudantil, se articularam nacionalmente em torno de uma bandeira: MULHERES CONTRA A REFORMA DA PREVIDÊNCIA. Aproveitando a agenda do movimento feminista, para se posicionar contra o corte dos direitos sociais e contra a agenda neoliberal do governo Temer.