As mulheres atravessadas em nossas pálpebras naquela noite sussurravam: “é o sangue da mulher negra que pulsa e luta, não descansaremos”
Seguimos construindo a história de resistência das mulheres negras latino-americanas e caribenhas. Os tempos continuam os mesmos: sombrios, silenciadores, violentadores. Sentimos o projeto neoliberal se aprofundando, derramando sangue das mulheres negras nos hospitais e nas periferias e nos afastando, cada vez mais, da política. Decidir sobre nossas vidas, corpos e futuro, garantindo a autonomia sob nosso tempo-vida tem custado lágrimas, sono e suor de quem ergueu cada chão da América Latina e Caribe. Afastar-nos dos espaços de poder, mortas ou adoecidas, é uma das armas do capital para nos enfraquecer e destruir o projeto de vida e libertação que tanto sonhamos para nós e nosso povo.
O capitalismo patriarcal-racista tem se acirrado sobre nós e nos empurrado cada vez mais para baixo, sejam os postos de trabalho terceirizados, vulnerabilizados e mal pagos, seja no retorno à casa e aos cuidados domésticos ou propriamente caídas ao chão. Vivemos tempos de abolição inacabada, onde os corpos das mulheres negras permanecem sendo objetificados, sexualizados e mercantilizados; as ruas, os homens e o Estado dominam, invadem e violam nossos corpos como se fossem territórios a serem explorados e colonizados – de novo e outra e outra vez.
Desde o momento em que fomos golpeadas pelo governo ilegítimo, temos sentido o neoliberalismo tomar formas inquestionáveis dentro de nossas casas, trabalho e universidade. É assim que o salário não dá nem para o gás, a criança não tem creche, a universidade não tem permanência, a aposentadoria não vai mais chegar, o desemprego sobe e a desesperança parece reinar. O sofrimento e adoecimento aumentam: afinal, sabemos bem, saúde é a capacidade de lutar e quando estamos fracas, essa capacidade também se fragiliza. É aí que o capital encontra as condições que ele próprio construiu de descer o chicote sob nossas costas. Quando estamos fortes e vivas, estamos em unidade, solidárias, nos cuidando coletivamente e construindo o horizonte revolucionário. Quando estamos fortes e vivas, estamos auto-organizadas, nos enxergamos enquanto companheiras e ameaçamos o sistema patriarcal-racista, sabendo reconhecer nossos reais inimigos.
Somos empurradas para a solidão da divisão sexual e racial do trabalho, negadas aos espaços de produção do conhecimento e todos aqueles onde podemos transformar a realidade em que vivemos. Nosso tempo e consciências são disputados. Construir a política vai deixando de ser prioridade porque a casa tá desarrumada, a barriga tá vazia, a bolsa foi cortada e as dívidas aumentam. Precisamos sim, sobreviver, mas isso somente nem de longe é o bastante, queremos o futuro, nossos sonhos realizados e a realidade transformada, por nós e pelas que virão. Não será o sistema capitalista patriarcal-racista, seja em que época for, a nos dar respostas: a auto-organização feminista popular é nosso escudo e a nossa arma!
Precisamos nos fortalecer e nos encorajarmos a destruir o velho mundo, afirmando que nenhuma de nós cairá. Nos auto-organizarmos e organizamos o nosso tempo para o estudo, a formação, para o cuidado com nós mesmas, para a produção, as ações, a participação política ativa, enfim, a militância, nos torna sujeitas fundamentais da revolução. Nós não descansaremos até colocar o patriarcado e o racismo abaixo. Afinal, como nos ensinam as mulheres da Frente de Libertação Nacional Moçambicana, a libertação da mulher é uma necessidade da revolução, garantia da sua continuidade e condição do seu triunfo.
Eles dizem: a luta terminou.
E nós dizemos: ela apenas começou. As derrotas seguem, mas nos levantamos e renovamos as esperanças, o folêgo, afiamos o facão e preparamos a foice e machado, desautorizando as mortes do nosso povo, a retirada dos nossos direitos, a destruição dos nossos sonhos. Nos preparamos para guerrear, pros atos, pras ruas, para a noite e a escuridão, tramando planos de revolta. As Eleições se aproximam e Marielle vive em cada mulher negra do país que segue de punhos erguidos e suor debaixo do sol de julho. O Congresso do Povo virá também pelas mãos das mulheres dos bairros, associações, periferias, escolas, universidades, postos de saúde e os Acampamentos Estaduais apontam os caminhos, tarefas e compromissos da juventude nos próximos tempos. O bonde não para e o feminismo popular é combustível!
Por isso que nós, mulheres negras organizadas no Levante Popular da Juventude seguimos firmes e em luta na construção de um Projeto Popular para o Brasil, que começou a ser construído por mulheres como Negra Zeferina, de espingarda, facão e machado. Nós, filhas e netas dessa classe trabalhadora, seguimos nos levantando, em marcha e em grandes revoltas, viradas em furação, acreditando que só um Projeto Feminista e Popular é que pode acabar com o esse Projeto capitalista, colonial, racista e patriarcal!
Marielle Vive!
Mátria Livre, Venceremos!