A população brasileira está diante de um dos cenários mais difíceis e complexos da sua história. A conjunção das crises econômica, política, social e sanitária impõe desafios ainda maiores para as forças de esquerda e progressistas.
Olhando para o campo da economia, vemos um país devastado. O Brasil fechou o trimestre composto pelos meses de março abril e maio com a perda de 7,8 milhões de postos de trabalho, fazendo o desemprego chegar a 12,9%. O número de empregados com carteira assinada caiu ao menor nível da série histórica do IBGE e, pela primeira vez, menos da metade da população em idade de trabalhar está ocupada (49,5%). Jovens, trabalhadoras e trabalhadores menos qualificados são os mais atingidos.
Os números do desemprego só não foram piores porque a quantidade de pessoas que desistiu de procurar emprego depois de um longo período tentando, bateu recorde, atingindo 5,4 milhões. Estes são os desalentados.
Uma das expressões de trabalho informal, precário e mal remunerado que mais ganhou expressão nacional nos últimos anos foi a dos entregadores de alimentos por aplicativo. Segundo o Centro Superior de Educação Tecnológica (CESET) da Unicamp, os trabalhadores e as trabalhadoras de entrega por aplicativo totalizam 23% daqueles que trabalham por conta própria.
As entregadoras e os entregadores trabalham em média 6 ou 7 dias por semana, em jornadas que podem ir de 12 a 16 horas por dia. Recebem cerca de R$ 1,00 por quilômetro rodado, a taxa de entrega pode variar de R$ 0,70 a R$ 0,80 e o valor mínimo do delivery é de R$ 5,00.
Além dessa baixíssima remuneração, essas pessoas não têm banheiro, não têm onde beber água ou mesmo onde descansar entre uma entrega e outra. Além disso, sofrem com a extrema pressão e alterações no ritmo de trabalho por parte das empresas de aplicativo, convivem com altos índices de acidentes e nenhum tipo de suporte para combustível ou manutenção da bicicleta ou da motocicleta. As empresas lucram milhões e só fornecem a tecnologia de intermediação do pedido e da entrega, não assumindo qualquer responsabilidade com as condições de vida e trabalho das entregadoras e dos entregadores.
O racismo, presente em todas as áreas e dimensões do Brasil, abre caminho para a superexploração desses trabalhadores e trabalhadoras, tendo em vista que os mesmos, em sua absoluta maioria, são negros e negras. Por um lado, o racismo cumpre a função de rebaixar ainda mais os salários e flexibilizar os direitos trabalhistas na medida em que historicamente naturaliza as precárias condições de vida e trabalho entre a população negra. Por outro, relega à classe trabalhadora negra apenas os empregos precarizados. Ao mesmo tempo, a crise econômica, o crescimento medíocre do PIBinho de Bolsonaro e de Guedes, o desmonte das formas históricas de proteção social ao trabalho, e a contra-reforma trabalhista de Temer, aprofundada por Bolsonaro, estão na base da criação das condições propícias para a proliferação dessa forma extremamente precária e racista de exploração do trabalho.
O jogo começou a virar. Quarta-feira, dia 01 de julho de 2020, marcou um ponto de inflexão na luta da classe trabalhadora brasileira, pois, é deste setor extremamente precarizado que nasce a primeira greve nacional e, salvo erro, mundial, de entregadores de aplicativos. O movimento, que começou em São Paulo, se espalhou pelo país e construiu significativas manifestações em diversas capitais, mostrando a força e a organização destes trabalhadores e trabalhadoras. Os e as grevistas tinham como pautas principais o aumento para R$ 2,00 por quilômetro percorrido, a taxa mínima de R$ 10 por entrega e fim dos bloqueios indevidos aos entregadores como punição pela avaliação do serviço e que frequentemente são decorrentes de atrasos no preparo dos alimentos, problemas causados pelos aplicativos etc.
Como lutadores e lutadoras do povo brasileiro, precisamos apoiar estas ações e avançar em medidas que ponham freio ao lucro de quem enriquece às custas do desemprego, da informalidade, do racismo e da extrema exploração do povo trabalhador, negro e jovem. Precisamos obrigar essas empresas a remunerar adequadamente, a arcar com os gastos com combustível dos veículos, a custear seguros que dêem suporte a quem se acidenta ao efetuar as entregas e, fundamentalmente, a reconhecer o vínculo empregatício dessas trabalhadoras e trabalhadores.
Mas isto é pouco. É preciso que os setores tradicionais da classe trabalhadora leiam este movimento como um chamado à luta coletiva e inovadora. É necessário que esta luta transforme-se em exemplo para todo o povo e torne-se uma chama de indignação pelo país. A vitória sobre a ofensiva conservadora em curso só se dará com lutas massivas. E essas lutas só se tornarão massivas se as lutadoras e lutadores do povo produzirem sínteses entre a capacidade organizativa dos setores tradicionais da classe, com a radicalidade, os novos métodos e a disposição para luta dos novos setores.
*Breno Rodrigues é da Coordenação Nacional Levante Popular da Juventude
**Rodrigo Marcelino é militante da Consulta Popular
Edição: Emilly Firmino