Precisamos refletir porque o BBB tem gerado tanto incômodo e debate nas redes sociais, a ponto de provocar várias personalidades a se posicionar, inclusive nos levar a escrever sobre esse tema.
É preciso compreender de que forma a ideologia neoliberal influencia a nossa luta
O debate tem tomado conta da sociedade porque mexe com um tema muito relevante, especialmente para nós da esquerda e militantes sociais, gerando distorções tanto na compreensão do que é militância quanto sobre a luta contra as opressões, abrindo brecha para a direita apontar o dedo e deslegitimar uma luta coletiva histórica, e por outro lado, por expor as chagas de uma face real desse processo de luta, afinal, o que temos assistido no BBB é uma expressão real do identitarismo – a face neoliberal contra as opressões – que se infiltrou nas nossas fileiras.
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É inegável que vivemos uma forte influência da ideologia neoliberal no seio das organizações políticas e sociais de esquerda, do individualismo em detrimento da coletividade, da fragmentação em detrimento da totalidade.
O capitalismo organiza a nossa vida em diversas dimensões, desde o trabalho à forma como nos relacionamos uns com os outros, forjando sujeitos que são fruto de uma sociedade do consumo, da competição, do mérito individual e da conquista individual. Seria ingenuidade pensar que estamos isentos dessa influência. Dito isto, é preciso compreender de que forma a ideologia neoliberal influencia a nossa luta, para sermos vigilantes e realizar o bom combate.
Destaco, que essa constatação não deve servir de desculpa para impor limites ou barreiras às lutas antirracistas e anti-patriarcais, pois diante da preguiça de alguns em identificar onde se localiza o identitarismo e a reprodução das ideias pós-modernas, acabam jogando fora o bebê com a água junto.
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Também destaco que identitarismo é diferente de identidade, identidade existe, é concreto, é como nos vemos no mundo e como o mundo nos enxerga. É o que nos individualiza e também nos identifica com outros semelhantes, e se faz necessário compreender as identidades nas relações sociais concretas e construir as mediações entre cotidiano, a realidade sentida na pele, e a luta política. Mas afinal, qual a crítica à política identitária e quais são as consequências?
O problema é quando a identidade se torna o início, meio e fim em si mesmo, quando se torna uma política da parte em detrimento do todo sem nenhuma perspectiva de construção de hegemonia na sociedade. É quando a luta se desloca da coletividade e se concentra nas particularidades de cada indivíduo, como se fosse possível superar uma estrutura racista e patriarcal com exemplos de sucesso individuais.
E vejam, mais uma vez não podemos confundir essa crítica com a negação da importância de ocupação dos espaços e da representatividade, que é sim importante. Para que esses sujeitos historicamente oprimidos e oprimidas rompam com o lugar de subalternidade no qual somos colocados, sejam exemplos para que outros se levantem, e fundamentalmente, para que lutem pelo rompimento dessa estrutura que nos oprime na perspectiva de construção de um projeto de emancipação de toda classe trabalhadora, pois, a ocupação de espaços de poder e decisão por algumas pessoas negras, mulheres e LGBT é insuficiente, não rompe com a estrutura social que exclui, violenta e mata.
Nós queremos o poder por inteiro, igualdade para todos e todas, queremos o fim de uma estrutura política, econômica, cultural e social que nos oprime e normaliza a superexploração.
Não podemos esquecer do papel da grande mídia na disputa cultural da sociedade, em especial da Rede Globo, a mesma que apoiou a ditadura militar e o golpe contra Dilma. A Rede Globo tem o domínio na condução da narrativa do programa, inclusive “cancelando e descancelando” pessoas quando lhe é conveniente. Nessa edição, a emissora tem desqualificado o papel e a importância do movimento negro, especialmente, através da exposição de erros e incoerências individuais de pessoas negras que levantam a bandeira antirracista e antipatriarcal, e da vinculação dessas posturas reprováveis à militância como um todo.
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E ao fim e ao cabo, essa edição tem exposto os limites do identitarismo que, como já foi dito acima, fragmenta as relações de poder e perde o caráter de classe da luta contra o racismo e o patriarcado, focando na questão da representatividade que é incapaz de combater as raízes estruturais do sistema. O racismo está na essência da produção e reprodução das relações sociais desiguais no nossos país, é um elemento estruturante da formação social brasileira, e só pode ser combatido através de um projeto antirracista, antipatriarcal e anticapitalista.
Nesse sentido, ideias que parecem óbvias precisam ser reafirmadas para combater a tentativa de deslegitimação das nossas bandeiras de luta e da militância como um todo. A militância não é individual, mas sim uma ação e projeto coletivos. A militância não é apontar dedo, muito menos “cancelamento”, é sobretudo educativa, é baseada na educação popular.
A luta contra o racismo e patriarcado deve ser combinada com a luta contra o capitalismo, tem que ser uma luta revolucionária. Caso contrário, essas bandeiras podem ser absorvidas pela lógica capitalista, e a consequência objetiva é a não superação desse sistema de opressão.
E por falar em militância, está chegando o 8 de março, Dia Internacional de Luta das Mulheres, que para nós é um importante símbolo do encontro entre socialismo e feminismo, vamos nos mobilizar em ações de solidariedade nesse contexto de pandemia, na qual as mulheres são mais afetadas, sendo expulsas do mercado de trabalho, são mais violentadas e sobrecarregadas com o trabalho doméstico. E lutar por vacina para todas as pessoas, auxílio emergencial e Fora Bolsonaro em defesa da vida do povo brasileiro. Seguiremos em luta contra o capitalismo racista e patriarcal!
Edição: Rebeca Cavalcante
Via Brasil de Fato