Está muito em voga atualmente a suposta necessidade de reformar o sistema previdenciário brasileiro. Uma rápida passada pelos canais de televisão, aeroportos e demais propagandas de ruas dão a tônica da situação: o governo golpista de Michel Temer tem investido pesado na criação de um consenso social da necessidade de reformar a previdência para que todos possam ter acesso. Mas fica a pergunta: por que reformar o sistema previdenciário brasileiro? Dois têm sido os principais argumentos, que se complementam, e que trataremos de desconstruí-los na busca de mostrar o que está por detrás dessas propostas.
Em primeiro lugar está colocado o problema demográfico brasileiro. De fato estamos passando por um processo intenso de transformações na pirâmide social, que vão exigir novas políticas públicas em termos de cuidado e assistência social. O que não se veicula – ou não com a ênfase correta – é que o envelhecimento da população é uma razão matemática entre a queda na fecundidade e a expectativa de vida. Ou seja, não é que o brasileiro está vivendo muito mais, é que o número de pessoas que nascem tem sido muito menor. Do ponto de vista dos direitos sociais esse fenômeno deveria exigir mais políticas de cuidado com a velhice, para que ela possa ser desfrutada como um direito, e não ao contrário, como a reforma propõem.
Em segundo lugar, e talvez o ponto principal, é a campanha pesada de publicidade do governo golpista sob o suposto déficit da previdência social. Quem já assistiu as propagandas de televisão lembra-se de o governo apresentar uma “balança” que justifica os desequilíbrios. De um lado existem as receitas (contribuições do INSS dos trabalhadores, empregadores e autônomos) ou seja, a chamada Receita Previdenciária, que soma um montante de 352 bilhões. De outro lado estão as despesas (pensão, aposentadoria, todos os auxílios — inclusive auxílio doença, auxílio-maternidade, auxílio-acidente) que somam 436 bilhões. De fato há um desequilíbrio entre a arrecadação e o gasto. Acontece que a Constituição de 1988 definiu que assim como saúde e assistência social, a previdência social faz parte do sistema de seguridade social brasileira, que tem um orçamento próprio tripartite, compostos pela arrecadação dos trabalhadores e empregados, como vimos acima, mas também da contribuição dos empresários e do Estado. Por isso, deve-se somar as receitas às contribuições referentes a Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL), Contribuição sobre o Financiamento da Seguridade Social (CSLL) e do PIS-Pasep. Somando todas as contribuições pelo lado da receita e subtraindo a despesa chega-se a um total de saldo positivo de 11 bilhões por ano.
Nesse sentido, a reforma da previdência não se justifica nem na perspectiva do desequilíbrio fiscal nem mesmo do suposto aumento da expectativa de vida dos trabalhadores. Esses argumentos apenas fazem sentido se entendermos que todo o sistema da seguridade social brasileira (que incluiu saúde e assistência social) são vistos como mercadorias, que precisam garantir sustentabilidade financeira própria e talvez gerar lucro. Ao contrário de tudo isso, nós do Levante, como herdeiros dos movimentos sociais que impulsionaram as conquistas da Constituição de 1988, somos defensores de que o Estado brasileiro deve garantir saúde, educação e seguridade social como direitos sociais, firmados em um pacto através de um acordo político que deve subordinar os interesses econômicos imediatos aos direitos da população.
A reforma da previdência que circula nos corredores do Congresso Nacional traz transformações significativas para a vida dos trabalhadores, especialmente as mulheres e os camponeses, em primeiro lugar ao acabar com a aposentadoria por tempo de contribuição, estabelecendo a idade de 65 anos para todos os cidadãos. Com isso, ignora-se o trabalho árduo desenvolvido precocemente pelos trabalhadores camponeses brasileiros, assim como a dupla ou as vezes tripla jornada de trabalho exercida pelas mulheres na nossa sociedade patriarcal, em que – na divisão sexual do trabalho – cabe as mulheres a responsabilidade pelo trabalho doméstico e o cuidado com crianças e idosos.
Além disso, o tempo de contribuição passa de 180 contribuições (equivalente a 15 anos) para 300 contribuições (equivalente a 25 anos ininterruptos ). Isso não é pouco em uma sociedade com o grau de informalidade no mercado de trabalho. Para as mulheres que frequentemente interrompem sua vida produtiva em função da maternidade ou do cuidado com os enfermos, essa nova condição limita mais ainda suas possibilidades reais de aposentadoria. Além disso, as mulheres estão alocadas no mercado de trabalho prioritariamente em duas ocupações: professoras e trabalhadoras domésticas, as quais terão impactos substanciais. Com a nova PEC os professores e trabalhadores rurais não terão mais regime especial de aposentadoria. No caso das trabalhadoras domésticas, também sofrerão demasiadamente, uma vez que no sistema informal que ainda vive a categoria, e visto a carga pesada que circunscreve esse trabalho será quase impossível uma doméstica se aposentar com a nova legislação prevista pela PEC.