por Lúcio Centeno
A imagem mais repercutida no dia de ontem foi o choro da Presidenta Dilma na cerimônia de entrega do relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV). A emoção de Dilma se expressou por um choro contido, um choro engasgado, um “nó na garganta”, se quisermos recorrer a uma figura de linguagem. Esta imagem é emblemática do momento atual, a Ditadura permanece sendo um “nó na garganta” da nossa democracia fracionada. O conteúdo do relatório da CNV ajuda a dimensionar o tamanho desse nó entalado há 50 anos em nossas laringes. A CNV sistematizou e investigou um conjunto de denúncias realizadas por pessoas perseguidas, torturadas, familiares de vítimas, bem como pelas organizações que lutam por Memória, Verdade e Justiça. Deste modo, se antes a responsabilidade pelos crimes da Ditadura estava diluída no Regime, como se este fosse uma entidade abstrata, ou fundamentada em relatos dispersos, hoje temos 377 pessoas oficialmente citadas como parte da cadeia de comando da violência atroz desse período.
Finalizado o trabalho da CNV, a pergunta que se impõem ao Estado brasileiro é: o que fazer diante dessa Verdade? Sabendo-se que uma parcela desses 377 permanecem vivos, estão, portanto, impunes. O Levante Popular da Juventude ao realizar os escrachos em frente as residências de torturadores e agentes da repressão tinha como objetivo não apenas confrontá-los com a memória dos seus feitos, mas denunciar à sociedade o regime de impunidade que sucedeu à Ditadura. Dentre as recomendações da CNV está contida a resposta para a pergunta acima. A superação plena do regime de exceção passa pela punição aos crimes cometidos nesse período. Para que possamos desatar o nó da Ditadura, a verdade apresentada pela CNV exige uma consequência normativa: julgar e punir os torturadores, sequestradores e assassinos, bem como seus superiores hierárquicos que cometeram todos estes crimes em nome do Estado brasileiro.
Para tanto, não seria preciso sequer modificar legislação, bastaria o Brasil cumprir a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, na qual o país foi condenado. A Corte determina que a lei da Anistia é inaplicável para casos de crime contra a humanidade praticados durante a Ditadura. É preciso quanto tempo mais para que a Justiça seja feita? Não se trata somente de saciarmos a sede de justiça dos familiares e amigos dos que resistiram e foram esmagados pelo autoritarismo. O que está em jogo é muito maior, trata-se do fundamento democrático sob o qual erigimos a sociedade brasileira. Já pagamos um alto preço por não realizarmos este acerto de contas histórico. Afinal, de onde deriva a violência policial que mata milhares de jovens pobres e negros? De onde deriva o saudosismo golpista que se expõem em marcha à luz do dia, se não de uma transição democrática inacabada e marcada pela impunidade.