Para discutir o Conservadorismo que se apresenta na Universidade Federal de Sergipe.

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Nas eleições para o Diretório Central dos Estudantes da UFS deste ano um fato estranho tem chamado a atenção da comunidade acadêmica: uma chapa declaradamente conservadora disputará os votos estudantis, apoiada pela Juventude Conservadora de Sergipe (Integralista). Denominamos estranho diante do histórico político da UFS, berço de disputas no campo progressista e de resistência no nosso estado.

O conservadorismo no Brasil pode ser entendido num espectro bastante amplo (mais brando ou extremista) e em diversos setores da sociedade, entre religiosos, militares, monarquistas, fascistas/neo-nazistas, nacionalistas, integralistas e em partidos políticos.

Não é novidade a existência conservadora no Brasil, tanto na apresentação política institucional quanto nos valores. Embora os conservadores versem frequentemente sobre valores da sociedade, no Brasil entendemos como conservadores aqueles que através do comportamento e dos valores construíram uma maquiagem retórica de “nação” integrada sobre uma realidade concentradora, segregacionista, racista, patrimonialista e elitista.

Com a ascensão do nazismo na Alemanha e do fascismo na Itália, o Brasil recebeu influências diretas destas ideias entre os anos 20 e 30. Sua maior concentração aconteceu no estado de São Paulo e em municípios da região sul de marcada influência alemã e italiana. Os integralistas, por exemplo, tiveram seu auge dando sustentação inicial ao governo Vargas.

Em geral as últimas experiências conservadoras expressivas enquanto projeto de poder aconteceram durante os governos militares a partir do golpe de 1964. Sob a propaganda anticomunista, todas as parcelas conservadoras (exclusivamente das elites) se envolveram ativamente na sustentação do golpe. As famosas Marchas da Família com Deus pela Liberdade denunciavam o caráter progressista do governo João Goulart, que paradoxalmente não era comunista, mas sim defensor de reformas soberanas e nacionalistas: Reforma Urbana, Agrária, Educacional, Fiscal e Eleitoral. Neste ato, os Golpistas apresentaram ao Brasil a mentira que havia por trás do discurso patriota e nacionalista, demonstrando assim o caráter subserviente da burguesia brasileira perante as economias centrais, neste caso os EUA que não só contribuiu como arquitetou e financiou golpes em toda America Latina.

É importante lembrar que o espaço religioso e militar naquele momento não era monolítico como fazem crer determinadas fontes históricas. Nos primeiros anos da ditadura, com as políticas de Depuração das Forças Armadas, mais de mil militares foram afastados, assim como cerca de dois mil marinheiros “rebeldes”. Entre os religiosos, diversos padres, freis e freiras que optaram contribuir com as lutas urbanas e camponesas pagaram com a vida.

O movimento estudantil majoritariamente participou da resistência heroica pela liberdade e mudanças para o povo brasileiro. A União Nacional dos Estudantes foi incendiada e com a lei Suplicy de Lacerda colocada na ilegalidade. Os estudantes responderam com coesão em inúmeras manifestações, uma delas foi a greve que paralisou a USP em 1965 com mais de sete mil estudantes. Já em 66 a UNE demarca forte oposição aos acordos estabelecidos entre o Brasil e os EUA, na educação fizeram a partir do MEC, o conhecido acordo MEC-Usaid.

No campo artístico, um dos mais emblemáticos, guardamos com muito orgulho as canções, peças e atos de liberdade. Os períodos de censura institucional atentavam para toda manifestação opositora e/ou suspeita. Com o Ato Institucional nº5 (AI-5/1968-1978), cerca de 500 filmes, 450 peças, 200 livros e mais de 500 letras de música sofreram veto. Sob pretextos vagos e até absurdos lacravam obras com argumentos como: “atentado à moral e aos bons costumes” e “conteúdo subversivo”.

Passado os anos de chumbo um novo clima passa a predominar na sociedade brasileira que clamava mudanças e reabertura política, a partir daí sai de “moda” identificar-se enquanto conservador e/ou direitista.

Logo os anos 80 são terminados com um clima progressivo por mudanças, movimentos grevistas e estudantis, por direitos trabalhistas e democracia. Porém tivemos uma mudança não tão profunda quanto pediam as ruas. Enquanto na América Latina os militares envolvidos em Golpes responderam na justiça, no Brasil guiaram uma transição pacífica que permitiu a impunidade e influências na política através das indicações, já que não tivemos uma nova Assembleia Constituinte eleita sem os dedos dos militares.

Os anos 90 então inauguram outro momento político com a chegada da proposta neoliberal em toda América Latina, que em determinados aspectos divergem dos conservadores clássicos.  O principal conflito entre eles reside na questão do papel do estado, que os liberais propõem de forma reduzida com total predominância do Mercado Capitalista Especulador na gerência dos rumos do país, enquanto os conservadores propõem um estado forte. A proposta neoliberal apresentada nos governos FHC foi a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), cujo objetivo seria selar o Consenso de Washington, que foi um conjunto de medidas elaboradas em 1989 pelos EUA (FMI, Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos), com as seguintes receitas para os países subdesenvolvidos: Disciplina fiscal; Redução dos gastos públicos; Reforma tributária; Juros de mercado; Câmbio de mercado; Abertura comercial; Investimento estrangeiro direto, com eliminação de restrições; Privatização das estatais; Desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas) e Direito à propriedade intelectual. Para o economista coreano Ha-Joon Chang, o Consenso de Washington teria sido uma espécie de “armadilha” criada, na década de 1980, pelos países desenvolvidos para impedirem que os países subdesenvolvidos e, em especial, aqueles que estavam emergindo do bloco comunista, conseguissem atingir os mesmos níveis de desenvolvimento do então Primeiro Mundo.As correntes conservadoras na política (fascistas ou não) perderam popularidade e capacidade de propor projeto de país, restando apenas o discurso dos valores familiares, direitos civis, religiosidade, etc. Mas há de se destacar que o pensamento conservador disperso em vários aspectos da vida social tem predominância entre o povo brasileiro, sobretudo entre os mais pobres, porém os mesmos não se identificam com o programa direitista que na sua composição é extremamente elitista, racista e concentrador.Os anos 90 se passaram em toda América Latina sem que víssemos jovens levantando cartazes pró-intervenção militar ou qualquer outra manifestação, ou seja, os conservadores embora não apresentem programa claro se associam ao bloco neo-liberal e sentem-se contemplados com as garantias da “ordem e bons costumes”. Nestes anos vimos a sociedade organizada na trincheira da resistência, contra as privatizações (como a da Vale do Rio Doce) e perda de direitos. Nas universidades, tínhamos inúmeras greves anualmente, que praticamente impediram a privatização do ensino superior. As demissões, desvalorização do salário mínimo, miséria e desemprego levou o povo a apostar num ciclo de governos progressistas em toda America Latina. Um dos exemplos mais emblemáticos foi o primeiro operário chegar à presidência do Brasil e em países como a Bolívia um indígena também alcançar o palácio.

Os estudantes universitários em sua maioria votaram no presidente Lula contra o trauma neoliberal, porém diversas divisões aconteceram diante algumas medidas contraditórias ou ausência de grandes medidas estruturantes que a esquerda esperava. Contudo, principalmente no decorrer do segundo mandato do governo Lula, os impactos das políticas sociais e de expansão do ensino atraíram popularidade ao presidente e ódio dos conservadores. Um bom exemplo tivemos no segundo semestre de 2008 quando foi aprovado o Programa de Ações Afirmativas da UFS (Paaf), a votação que ocorreu no CONEPE contou com apenas dois votos contrários. O programa foi inaugurado no vestibular 2010 prevendo 50% das vagas para estudantes de escolas públicas. Dessa parcela, 70% foram destinadas a estudantes negros, pardos e índios. O programa previa 10 anos de duração, mas após os primeiros cinco anos seria (foi) feita uma avaliação junto com uma comissão de monitoramento.

Naquele momento de calmaria política o fato não gerou grandes polêmicas, como ocorrera em outras universidades. Na UFRGS, por exemplo, o tema gerou debates tensos na sociedade, inclusive fazendo brotar manifestações neonazistas dentro e fora da Universidade. Porém, no ano da entrada das primeiras turmas foram colhidas as primeiras manifestações sociais que demonstraram as raízes da elite brasileira e sergipana e inclusive o seu poder de reação frente ao jogo político.

Desde a ditadura militar a direita organizada não adentrava os muros das Universidades Públicas que mantinham os principais focos do pensamento progressista e de esquerda. Mas em 2010 uma parcela importante dos representantes das escolas particulares do estado de Sergipe canalizaram um movimento ofensivo de deslegitimação do Paaf, taxando-o de injusto, inconstitucional, separatista e outros argumentos que, como sempre faz a elite, maquiam os reais interesses político-econômicos da sua classe. Até porque na UFS não houve redução de vagas, porque ao mesmo tempo em que se destinou 50% das vagas para cotistas foram dobradas as ofertas com a política de expansão.

Neste momento não houve nenhuma manifestação do movimento estudantil, negro, secundarista, docente, dos servidores e partidos de esquerda em geral. Uma parte não se movimentou porque há tempos havia institucionalizando-se de tal forma que as lutas sociais não eram mais do que pano de fundo para porta-retratos. Outra parte também não se movimentou porque fazia oposição sistemática ao Governo Federal e dessa forma descuidaram dos reacionários de pijama.

Naquele período, tínhamos, segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), 8,72% de estudantes negros no ensino superior. Apesar de pequeno, houve um crescimento equivalente a 47,7% com relação aos números de 2003, que eram inferiores a 6%. No Brasil temos hoje 50 milhões de jovens (entre 15 e 29 anos) e destes apenas 15% têm acesso ao ensino superior (entre 18 e 24 anos).A História do Brasil não esconde que o caminhar da nossa burguesia sempre conservou características concentradoras e dependentes, não por acaso estivemos atrás inclusive das colônias contemporâneas da América Espanhola no que diz respeito ao ensino. A América Latina precocemente formou, do México ao Chile, suas primeiras instituições de ensino superior ainda no fim do século XVI, quando no Brasil este fenômeno aconteceu somente em 1808. Para ressaltar a fragilidade, basta observar que a instalação da primeira prisão brasileira é mencionada na Carta Régia de 1769, que manda estabelecer uma Casa de Correção no Rio de Janeiro; já o ensino obrigatório foi autenticado em 1854. Mas a parcial universalidade dessa lei o tornava frágil, já que ao escravo não havia esta garantia. Esta foi a oferta para nossa juventude trabalhadora.

Nossa burguesia nunca tolerou mártires populares, reformas estruturantes, ciclos democráticos e perda de qualquer migalha de poder.

Nos dias de hoje a juventude se encontra dispersa, com pouca referência em organizações sociais e com forte crítica ao modo como se faz política. Em 2013, milhares de jovens foram às ruas reclamar melhores condições para o cotidiano dos estudantes e trabalhadores, começando pelo transporte público. Deste marco para frente as manifestações foram difusas, demonstrando que havia um rechaço à política tradicional de forma generalizada, solicitando do governo atual maiores providências para as grandes cidades e, ao mesmo tempo, descartando a proposta neoliberal clássica (já que pediam mais estado). Neste contexto surgiram grupos de todas as matizes, inclusive a volta incisiva de grupos que solicitam intervenção militar e grupelhos neonazistas que atacam e demonstraram até as eleições presidenciais um forte sentimento racista, xenófobo contra nordestinos e homofóbico.

Este é o contexto da volta dos conservadores jovens!

O que eles dizem? Queremos ordem, família, pátria, valores, cura-gay e militares no poder, mas não tocam em temas como desigualdade, concentração fundiária e especulação imobiliária. Estes jovens praticam a velha fórmula da novidade inventiva da roda, com propostas genéricas a favor do bem – até porque ninguém confessa querer o mal. Dizem representar todos os brasileiros, onde não existiria classes, racismo, preconceito e injustiças estruturais, bem como lembra o guru dos conservadores integralistas Plínio Salgado: A burguesia é um estado de espírito! Segundo ele, o sofrimento do povo também é uma invenção e a igualdade irmã produzida no Brasil é atrapalhada por quem prega a ficção de classes sociais.

Eles dirão: Queremos Pátria, “BraZil”, Família, Ordem, Deus (somente o de olhos azuis), Cura-gay, um DCE para todos e apolítico (sabe-se lá o que é apolítico!). E em breve convocarão a reedição da marcha da família, mas dessa vez as dondocas não contarão com Hebe Camargo. E as periferias? Ah… As periferias e pobres, pura ficção, estado de espírito conservado e prensado no circular cidade.