“Fortalecer a luta das mulheres negras para fortalecer a luta por uma nova sociedade”
“São tempos difíceis para as sonhadoras”. A verdade, porém, e a nossa história confirma, é que nunca foi fácil para as mulheres negras latino-americanas e caribenhas. E em tempos de golpismo e de avanço dos governos neoliberais, as contradições estruturais de um sistema capitalista-patriarcal-racista apenas se acirram.
Os povos da América Latina e Caribe passaram por processos de colonização que tiveram em comum a escravidão, a exploração e a dominação de seus corpos e das suas terras. É por isso que neste 25 de julho, dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, precisamos relembrar o histórico de lutas e resistência das mulheres negras, assim como apontar os caminhos coletivos de acúmulo de força popular para a transformação da realidade imposta por uma conjuntura de grande investida do projeto neoliberal em toda América Latina e Caribe.
Durante séculos, houve resistência à escravidão e o povo negro, tendo muitas mulheres entre suas lideranças, travou grandes lutas, revoltas e levantes. A escravidão deixou um vergonhoso legado de exploração, mercantilização e dominação do povo negro, se expressando e tomando forma nas relações sociais, na educação, no trabalho e na saúde. No sistema capitalista, para que a ordem social se mantenha e as relações de poder sejam estabelecidas, a violência se configura como uma das bases materiais de manutenção da exploração.
O “Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha” foi estabelecido em 1992, durante o I Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-caribenhas, em Santo Domingo (República Dominicana), com o intuito de provocar a reflexão sobre a condição das mulheres negras na América Latina e Caribe. Este dia de luta não resume a sua importância somente em demarcar a condição e a resistência da mulher negra, mas também contribuiu para a construção do nosso feminismo, o feminismo popular.
Temos compreensão de que esta é uma luta de toda a classe trabalhadora, uma vez que a exploração, dominação e todas as consequências de nossa formação social, de um capitalismo estruturado com o patriarcado e o racismo, não recaem somente sobre as mulheres, mas estruturam as relações e a vida de todo o povo brasileiro. Em tempos de leituras individualizantes, se faz ainda mais necessário compreender o sistema patriarcal-racista-capitalista e reafirmar a saída coletiva, alicerçada na organização e no protagonismo daquelas que sofrem a exploração e a opressão.
Não é à toa e nem conjuntural: as mulheres negras estão em maior vulnerabilidade social desde sempre no Brasil.
– 59,4% das mulheres brasileiras vítimas de violência são negras*;
– 68,8% das mulheres brasileiras mortas por agressão são negras*;
– A mulher negra ganha 60% menos que o homem branco no Brasil**.
As mulheres negras são as principais vítimas dos abortos clandestinos e dos índices de feminicídio, como apontou o mapa da violência de 2015, em que o feminicídio (quando o assassinato decorre pela condição de mulher da vítima) de mulheres negras aumentou 54% em 10 anos, enquanto o das mulheres brancas diminuiu. Sem contar com o aumento do encarceramento feminino, em que mulheres negras são 86% das encarceradas. Os dados são alarmantes e nos evidenciam o que já sabemos: o racismo, a exploração e a opressão vividas pelas mulheres negras diariamente no Brasil.
A separação e hierarquização do trabalho de homem e de mulher, bem como a separação e hierarquização do trabalho de mulheres brancas e mulheres negras, coloca as mulheres negras na base da pirâmide social, nos postos de trabalho mais precarizados e subalternizados. As mulheres negras têm maiores jornadas de trabalho, ganham metade do salário dos homens brancos, estando a maioria concentrada no trabalho informal e sem carteira assinada. São as responsáveis na maior parte das vezes pelo trabalho doméstico e pelas tarefas de cuidado, atividade invisibilizada pela sociedade e com baixa ou até mesmo nenhuma remuneração.
Em tempos de crise econômica, política e social, são inúmeros os retrocessos e extremamente perceptível o aumento do conservadorismo. É sintomático o aumento da violência contra as mulheres negras no campo e na cidade – as mulheres negras morrem duas vezes mais que as mulheres brancas -, enquanto a rede de apoio institucional às vítimas se torna praticamente inexistente. Recentemente o governo ilegítimo de Temer cortou 61% das verbas destinadas ao atendimento de mulheres vítimas de violência. Além disso, determinou o fim da Secretaria da Promoção da Igualdade Racial e da Secretaria de Política para as Mulheres.
Estamos vivenciando o desmantelamento dos direitos sociais outrora assegurados e conquistados historicamente pela classe trabalhadora por um governo golpista, patriarcal, racista e antipopular. Em menos de um ano, congelou os investimentos na educação pública, impôs a reforma do ensino médio, sufocou sistematicamente o Sistema Único de Saúde (SUS), fortaleceu o caráter genocida das polícias e as políticas de limpeza racial dos grandes centros urbanos.
As mulheres negras querem e podem decidir os rumos do país. Querem – e vão – transformar a política e mudar a realidade do povo brasileiro e latino americano, que carregam uma história de resistência diante de um racismo que ainda pesa sobre seus ombros. É por isso que a construção de um feminismo das mulheres da classe trabalhadora, que esteja presente nas universidades, nos bairros, nas cozinhas, nos pontos de ônibus, nas filas dos hospitais, dentro dos lares brasileiros, enfrentando as contradições, precisa ser parte do horizonte de construção do Projeto Popular para o Brasil.
Enquanto as mulheres negras da classe trabalhadora forem exploradas, estiverem fora dos espaços de produção do conhecimento, em trabalhos precarizados e subalternizados, encarceradas nos presídios superlotados, morrendo nas filas dos hospitais, vítimas de abortos clandestinos e do feminicídio, a libertação do nosso povo não será possível. É preciso mudar o mundo pra mudar a vida das mulheres e mudar a vida das mulheres para mudar o mundo!
Nós, jovens negras, somos as filhas e as netas de mulheres guerreiras da classe trabalhadora, que matam mais de um leão por dia para sobreviver e sustentar os seus. No dia 25 de julho, todas e todos nós estaremos nas ruas, em unidade com as mulheres e organizações da classe trabalhadora, contra as reformas da previdência e trabalhista, pela legalização e descriminalização do aborto, o fim do feminicídio e exigindo Fora Temer! Queremos Diretas Já!
Seguiremos de punho erguido, celebrando a resistência de Teresa de Benguela, Luisa Amanda Espinoza, Mariana Grajales Cuello, Negra Zeferina, Maria Felipa e de todas as mulheres negras latino-americanas e afro-caribenhas, até que todas sejamos livres!
*Dossiê Violência Contra as Mulheres, Agência Patrícia Galvão, 2016.
** IPEA, 2015.