Coluna da Jessy Dayane, via Brasil de Fato
A situação política do país se torna cada vez mais complexa e, a cada dia que passa, nos aproximamos da necessidade de chegar a um desfecho para o impasse que vivemos diante do momento mais crítico da crise brasileira. Os últimos dias foram marcados pelo avanço do bolsonarismo rumo ao fechamento do regime. Ao mesmo tempo, nasce o gérmen da reação antifascista, que cresce agregado ao repúdio contra o racismo. A reação tem como base as ações dos grupos fascistas que clamam por uma ditadura, somado à luta antirracista contra a violência policial, que tem como símbolo no Brasil os assassinatos no Rio de Janeiro, mas expressam uma realidade nacional; e tem como inspiração internacional o recente levante contra o racismo nos Estados Unidos.
Diante do acirramento dos ânimos políticos, o posicionamento do vice-presidente Mourão e do General Heleno não deixam dúvidas sobre a disposição dos militares — que, por sinal, já estão no poder — de apoiar o fechamento do regime, liderado pelo neofascista que hoje ocupa a presidência do Brasil, Jair Bolsonaro. Passamos da fase da possível ameaça, para uma explícita medição de forças, inclusive o próprio Eduardo Bolsonaro, o filho 03, afirmou que “vai haver rompimento institucional, só resta decidir quando”.
Da mesma forma, o presidente também disse que “Acabou, porra!” numa expressão de resposta ao Supremo Tribunal Federal (STF), quando este autorizou uma ação de busca e apreensão contra investigados no inquérito das fake news. Além desses fatos, acrescenta-se a nomeação de diversos cargos na Polícia Federal em todo Brasil, que representa mais um passo na consolidação da polícia política nas mãos do líder neofascista. E, para ninguém dizer que tem dúvidas do caráter fascista da transformação em curso, o vídeo da reunião ministerial revela o intuito autoritário de toda essa movimentação, demonstrando que, junto a Bolsonaro, há uma base social armada e que esse discurso é defendido não só por ele, mas também por seus ministros.
Em paralelo à situação brasileira, após o assassinato do estadunidense George Floyd, um negro que foi asfixiado até a morte por um policial branco, estouraram protestos no mundo inteiro contra o racismo e em solidariedade às manifestações que tomaram conta de vários estados nos Estados Unidos. No Brasil, nas últimas semanas, também houve assassinatos de negros pelas mãos da polícia. No estado do Rio de Janeiro vimos o caso emblemático de João Pedro, de 14 anos de idade, que foi assassinado a tiros enquanto brincava no quinta de sua casa. Além de João Pedro, outras mortes como a de Ágatha Félix, de 8 anos, Kauê Ribeiro dos Santos, de 12 anos, e Kauan Rosário, de 11 anos, vieram à tona após operações da polícia carioca. Esses assassinatos por parte do Estado não são coincidência, nem novidade, fazem parte de uma política genocida, fruto do racismo estrutural, e nesse momento é o gatilho que fez incendiar o gérmen da resistência.
Protestos antifascistas no Brasil
Neste domingo (31), ocorreram manifestações em alguns estados do Brasil, protagonizadas pelas torcidas organizadas, combinando a luta antifascista com a luta antirracista, através do grito de “Democracia” e da insígnia “Vidas negras importam”, que é a principal mensagem dos protestos nos EUA. No Rio de Janeiro, os protestos foram convocados também no contexto dos assassinatos por parte da polícia do estado. E em São Paulo, além da manifestação que clamava por democracia e contra a violência policial contra os negros, também houve um ato fascista, e a polícia mais uma vez estava lá tomando lado, reprimindo com bombas de gás, violência e realizando prisões truculentas aos manifestantes antifascistas. Ao mesmo tempo, essa mesma polícia protegia os manifestantes raivosos de direita, que carregavam tacos de basebol, lenços estadunidenses e símbolos que representam a essência fascista como a bandeira como a bandeira utilizada por grupos neonazistas ucranianos.
Diante desse gérmen de reação que tem como objetivo frear o avanço fascista, surgiram questionamentos acerca do isolamento social, já que uma manifestação implica necessariamente em aglomeração. É uma situação complexa, mas o que parece contraditório, na verdade, não é. A defesa do isolamento social tem como objetivo conter a pandemia de covid-19 e salvar a vida da população, mas o que temos visto é o fascismo avançar e, com a ocupação das ruas, esse avanço representa um enorme risco à vida e a democracia. Temos visto um governo que está usando a pandemia para provocar o caos e fechar o regime, independente do número recorde de mortes que o Brasil alcança diariamente. O desfecho desse processo pode ser ainda mais trágico que o terrível momento de pandemia que vivemos, pois pode combinar pandemia com fascismo.
Como nos posicionaremos diante dessa situação? Por um lado, temos a Sara Winter e os 300 (ou 30) resgatando símbolos nazifascistas e da Ku Klux Klan em manifestações contra o STF. Por outro lado, temos uma iniciativa de mobilização de rua pela democracia convocada pelas torcidas organizadas e a luta antirracista “Vidas negras importam” crescendo no país. É uma situação complexa, que terá um desenvolvimento que foge ao nosso controle, ainda não sabemos se essas manifestações terão a capacidade de se ampliar e ganhar a sociedade, e se teremos a capacidade, de através delas, combater o fascismo, mas sem dúvidas esse potencial existe. A outra hipótese é que essas mobilizações podem ser usadas como justificativa para o fechamento do regime, da mesma forma, a ausência delas pode nos deixar acuados enquanto o fascismo avança e se consolida.
O que podemos afirmar com certeza é que as mobilizações de domingo foram importantes para chamar atenção da sociedade para a ameaça fascista, o que também provocou uma grande reação nas redes sociais contrárias ao fascismo e racismo. Outra certeza que temos é que não faltam motivos para que essas reações existam e, sem dúvida, devemos nos solidarizar e apoiar essas manifestações, combatendo qualquer tipo de tentativa de criminalização. Elas representam um gérmen da reação!
Destaco que a combinação da luta antirracista e antifascista, tem o potencial de converter-se numa luta anti-sistêmica contra o capitalismo e resquícios de formas de dominação anteriores (o escravismo, por exemplo, no Brasil, o apartheid, nos EUA). Cabe observar o apoio dos EUA ao surgimento dos movimentos neofascistas em todo o mundo nos últimos anos, fato que se repete na realidade brasileira, e reafirma os laços históricos entre racismo, fascismo e dominação imperialista. Levanto essa questão para reforçar a importância das organizações políticas e movimentos populares observarem com cuidado esses levantes e a necessidade de construirmos formas de contribuir para que esse processo acumule para uma transformação profunda da sociedade.
O renascimento de grupos neofascistas não é uma exclusividade brasileira e em todas as partes do mundo tem combinado setores de extrema direita, racistas, xenófobos e ações violentas, que não hesitam em tirar a vida dos que se opõem à sua ideologia. O fascismo e o racismo são duas faces do mesmo ódio, miram os mesmos alvos: contra a democracia; os pretos e pretas; contra o povo trabalhador das ruas e favelas. A luta contra o fascismo e o racismo também são lutas em defesa da vida. É preciso lutar para não morrer nem de covid-19, nem por bala racista que tem endereço, nem por ódio fascista que tem como objetivo nos eliminar. É preciso gritar: Vidas Negras importam! Fora Bolsonaro! Fascistas não passarão!
*Jessy Dayane é militante e membro da coordenação nacional do Levante Popular da Juventude. É sergipana e ex-vice presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Atualmente estuda Direito em São Paulo.
Edição: Camila Maciel