A pandemia aprofunda ainda mais as contradições provocadas pelo neoliberalismo, enquanto a burguesia continua a lucrar sem precedentes. A Amazon, por exemplo, no mês de julho, em plena pandemia, já tinha lucrado 7 vezes mais do que nos anos anteriores. Por parte do agronegócio, os lucros seguem em alta. A projeção para 2020 da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) diz que “as estimativas e projeções mais recentes apontam que o Valor Bruto de Produção em 2020 deve alcançar R$ 728,68 bilhões – R$ 457,08 bilhões do ramo agrícola e R$ 271,6 do ramo pecuário -, um incremento de 11,8% frente a 2019”. Enquanto uns seguem lucrando, temos hoje no Brasil um total de 12,8 milhões de pessoas desempregadas, e 30,8 milhões de trabalhadores na informalidade. O que significa que uma grande parte do povo não tem acesso a uma renda mensal estável.
Todos esses dados nos afirmam que o Brasil está voltando ao mapa da fome, ao mesmo tempo que setores do capital internacional e do agronegócio brasileiro não param de aumentar os seus lucros. Somando as mais de 151 mil mortes oficiais por Covid-19 e os 10 milhões de brasileiros que passam fome atualmente, a realidade apresenta que está em curso um genocídio do nosso povo. Apesar do coronavírus ter chegado ao Brasil pela nossa burguesia, as maiores vítimas desse vírus são o povo pobre e preto nas favelas e periferias.
Já no campo, o AGRO continua sendo fogo, fome e morte, causando destruição dos bens naturais e envenenando nossos rios, terra e alimento. As queimadas provocadas no Pantanal, por exemplo, não são um evento natural e devem ser investigadas! Quatro fazendeiros são acusados pela Polícia Federal de colocar fogo na vegetação para transformar a área em pastagem para o gado.
Além dos danos aos bens naturais, o capital agrohidromineral avança para os territórios campesinos, e expulsa as famílias que ali habitam. De acordo com o Censo Agropecuário de 2017, o campo está ficando cada vez mais envelhecido. A juventude camponesa, sem alternativas, tem migrado para a cidade num volume considerável. Com o profundo desmonte das políticas públicas para as famílias camponesas, a permanência no campo fica cada vez mais difícil. Recentemente tivemos a extinção por decreto do Plano Nacional de Sucessão Rural, e o veto quase que completo ao projeto de lei da agricultura familiar, o PL Assis Carvalho (735). Com a diminuição do orçamento para a agricultura familiar camponesa mesmo na pandemia, com que recursos continuaremos produzindo?
Por outro lado, o agronegócio recebe altos investimentos, mesmo envenenando nossos alimentos com agrotóxicos e expandindo a fronteira agrícola, a custo do sangue de camponeses, ribeirinhos, indígenas e quilombolas. Além de todos os desastres socioambientais, a política genocida do governo Bolsonaro provoca diretamente o aumento da fome, pois sem controle interno dos estoques de alimentos por parte do Estado e com o atual Plano Safra do Agronegócio, a produção agrada somente aos interesses internacionais.
Nesses termos, é urgente lutarmos por uma política agrícola nacional que atenda integralmente os verdadeiros sujeitos responsáveis por colocar a comida na mesa do povo brasileiro. Por isso a nossa luta é pela soberania alimentar! Lutamos pelo direito dos povos em definir suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos, que garantam o direito à alimentação para toda a população. Não é possível pensar a soberania alimentar sem falarmos na autonomia dos agricultores e consumidores. Lutamos por uma agricultura alicerçada na soberania energética e tecnológica, em que o controle das sementes e da produção esteja nas mãos do campesinato. Lutamos por uma política de desenvolvimento da agricultura familiar, com garantia de segurança alimentar e nutricional, produzindo alimentos com respeito ao meio ambiente, sem uso de agrotóxicos que afetam a saúde dos trabalhadores/as, consumidores/as e do solo.
A busca pela soberania alimentar dos povos também passa por uma Nova Geração Camponesa. Mesmo com todas as adversidades, a juventude tem resistido e permanecido no campo. No entanto, essa permanência no campo com dignidade precisa ir além do debate da geração de renda no campo. É necessário enfrentar temas estruturantes sobre o modelo de sociedade que queremos construir. Queremos construir valores alicerçados na produção de alimentos saudáveis, tendo a agroecologia como o modelo tecnológico de produção, e gerar novas relações sócio-comunitárias, alicerçadas na solidariedade, coletividade, companheirismo e a construção da utopia de um campo sem latifúndio.
Nesse cenário de pandemia, florescem as ações de solidariedade do povo brasileiro, sobretudo do campesinato, que mesmo com a falta de condições objetivas para produzir e viver no campo com dignidade, doam toneladas de alimentos para as periferias e favelas brasileiras, especialmente os movimentos sociais que compõem a Via Campesina. A exemplo de Cuba, nós doamos parte do que temos, e não o que nos sobra. Nossas ações de solidariedade colocam o povo como sujeito protagonista, gerando organização social e tirando da passividade, como nos ensinou Paulo Freire.
Na campanha nacional de solidariedade Periferia Viva, a juventude tem se forjado como novos sujeitos do presente e do novo amanhecer. Seguindo o exemplo e o legado de Che Guevara, a juventude da Via Campesina e do Levante Popular da Juventude participa ativamente tanto da produção dos alimentos, quanto das campanhas de solidariedade popular. Com o envolvimento de diversas organizações urbanas e do campo, na arrecadação e distribuição das doações, a juventude se incorpora e promove a relação do alimento agroecológico, fruto da reforma agrária, com a panela vazia da periferia: é o encontro entre campo e cidade, fortalecendo uma rede de luta contra o atual governo e por reforma agrária e urbana popular.
Quem coloca o alimento na mesa do povo brasileiro é a agricultura familiar e camponesa! Os jovens são fundamentais para darmos sequência ao processo produtivo para não nos tornarmos ainda mais reféns da elite agroexportadora. A única maneira de transformar essa realidade de fome e miséria é por meio da luta popular! Só assim, derrotaremos as estruturas políticas e econômicas e construiremos o novo mundo. Nesse sentido, é urgente a unidade campo e cidade para derrubarmos o governo Bolsonaro e avançarmos num projeto nacional de segunda libertação.
Edição: Allanis Dimitria Pedrosa (Levante RJ) e Larissa de Padilha Brito (Levante RS)