Artigo | “Para que nunca mais aconteça”: literatura e cinema na denúncia da ditadura

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"O que não esperava era que o livro do Mario Lago que me acompanhou naquela Quarta-Feira de Cinzas, fosse um livro de Jessie Jane". - Cortesia

Os dias que sucederam o carnaval no Recife foram chuvosos, para lavar e deixar fluir os enganos mil da folia, ou para obrigar alguns repousos após escorregões em chão molhado.

Nesta ocasião sou convidada a conhecer alguns livros presenteados e expostos na estante amarela rodeada de gatos. Em sua maioria com o tema da ditadura. Entre tantos, escolho “REMINISCÊNCIAS DO SOL QUADRADO” do Mario Lago, numa capa dura, branca, edição da Cosac Naify. Nele, o autor fala de suas memórias na prisão de 1964, das relações criadas, do cotidiano de um preso político, não menos da conjuntura política brasileira naquele período. 

Há algo comovente quando falamos em resistência. O porquê resistir e como resistir. O autor em uma das passagens relata sobre nunca se sentir sozinho, mesmo sozinho. “Os poetas causam medo porque estão quase sempre com a razão, mesmo, e talvez principalmente, quando parecem loucos. Não sei qual deles, parece que Vicente de Carvalho, tem um poema dizendo que o homem nunca está só, terminando com a afirmação: “ou se está com a saudade, /só é que nunca se está”.  Ao ler me veio a música do Gonzaguinha, “Caminhos do coração” (1982). Essa canção se faz oração aos que estão longe de casa, mas que ao passar por cada canto desse país, tecendo caminhos mais justos aos que virão, encontra tantos outros com o mesmo propósito. Porque é “tão bonito quando a gente entende que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá”. Somos muitos. Tem algo de poético na resistência. 

Longe de romantizar períodos de fechamento de regime ou de sofrimento militante, no dia 29 de março estreou na plataforma globoplay a série “Jessie e Colombo, a história de um casal militante da ALN presos durante a ditatura no sequestro do avião da cruzeiro sul com o objetivo de libertar presos políticos. Jessie entra para tática armada para libertar o pai, militante da ALN, Colombo para libertar a irmã, militante do MR-8. A série documental conta com a participação de companheiros e familiares que vivenciaram todo o período, mas que em sua maioria foram presos e torturados assim como o casal. 

Nela conseguimos identificar a progressão dos anos de chumbo. Jessie e Colombo ficaram presos durante 9 anos, passando inclusive pelo temido DOI CODI. É possível observar a diferença entre cada governante. “Ter jornal, visitas era um sinal de mudança”. Sua filha Leta foi gerada na prisão, a cela virou um quarto para bebê durante alguns meses. É comovente e triste, ambos se emocionam ao relatar aqueles anos, o nascimento e a separação da filha. Leta hoje é militante do Movimento das trabalhadoras e trabalhadores Sem Terra. 

Os livros e a leitura nos levam às coincidências mais pungentes no que tange a memória. Eles nos auxiliam a conhecer o desconhecido, dependendo do caso, para que não aconteça novamente. O que não esperava era que o livro do Mario Lago que me acompanhou naquela Quarta-Feira de Cinzas, fosse um livro de Jessie Jane. E nesse dia que antecede os 59 anos do Golpe, a luta por memória, verdade e justiça segue latente. Os livros, filmes, músicas e as formas que os poetas encontram de denúncia. “Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça”.

Escrito por Louise Xavier – Contadora, Militante do Levante Popular da Juventude e do Movimento Brasil Popular.

Edição: Brasil de Fato Pernambuco