O grito do Ipiranga, mais conhecido como Independência do Brasil, aconteceu no dia 7 de setembro de 1822. Antes, em 1808, para fugir dos resultados do Bloqueio Continental de Napoleão Bonaparte, a corte portuguesa se muda para o Brasil, iniciando um processo que, mais tarde, resultaria na Independência do Brasil em relação a Portugal, inaugurando um novo momento da colonização brasileira. Olhando a fundo, sabemos que não houve cavalo branco, um grande exército e glamour como mostra Pedro Américo: o grito às margens do Ipiranga, como canta e conta o hino nacional, foi dado quando D. Pedro I voltava ao Rio de Janeiro depois de uma temporada política em São Paulo, com uma desinteria severa, quando a conjuntura era marcada por instabilidades em Portugal – que mexeram, por consequência, com as estruturas e centralização do poder da monarquia de D. Pedro I no Brasil.
Há uma exaltação ao 7 de setembro que há de considerar legítima, afinal, a soberania e independência dos povos são fundamentais na construção de uma Nação. No entanto, é preciso adotar uma visão crítica sobre os agentes políticos que construíram esse processo de libertação e, mais ainda, quais são os desdobramentos deste movimento na conformação do nosso país.
Por que adotar uma visão crítica sobre a independência do Brasil? Ao reparar a realidade brasileira, percebemos que grande parte da população ainda está à margem do que se é considerado cidadão, com destaque para mulheres, negros/as, indígenas, camponeses e população LGBTI+. Isto é, ainda que tenhamos avanços na legislação como a Lei Maria da Penha (2006) e a Lei de Cotas (2012), o Estado brasileiro ainda opera majoritariamente pela lógica da construção do cidadão “universal”: homem, branco heterossexual, com um recorte determinante de classe, ou seja, posses e riquezas, forjada no Império do Brasil.
A nossa primeira constituição, datada de 1824, recortava de si um Brasil diverso com a implementação do voto censitário: à exceção desses homens descritos acima, ninguém poderia votar – e nem ser votado. Aliás, às mulheres, por exemplo, o direito ao voto veio somente mais de um século depois da independência, em 24 de fevereiro de 1932. Sobre a numerosa parcela negra de nossa população, que dizer, então? Essa independência do Brasil nem nos transformou em República, nem em nação livre da escravidão. A abolição veio apenas em 1888, com muita resistência.
Tal realidade se percebe no âmbito da falta de acesso às políticas públicas e direitos sociais, mas também na historiografia dominante, que se reflete no senso comum em contar a História do Brasil apenas pelo ponto de vista dos dominadores, com pouco ou nenhum destaque para as lutas de resistências agenciadas por escravizados, mulheres e trabalhadores. Cabe, ainda, identificar conexões culturais entre o Brasil e as realidades latino-americanas e africanas, a partir de uma experiência em comum: a colonização. Esta, por vez, tem profunda relação com o tempo presente, seja do ponto de vista econômico, ao percebermos que os países do Sul Global se tornaram economias periféricas na construção da geopolítica mundial, seja no cotidiano sociocultural em que essa mesma cultura é marginalizada, sufocada e negligenciada.
Do ponto de vista histórico, pouco se fala também sobre as revoltas que ocorreram entre o fim do período colonial (1500-1822) e início do império (1822-1889), que aspiravam os anseios soberanos de setores da população que não toleravam mais a falta de participação e a dependência econômica e política do país em relação à monarquia. Movimentos como a Conjuração Baiana (1798), que contou com ampla participação de setores populares e pessoas escravizadas, ou a Revolução Pernambucana (ainda que, contraditoriamente, não pautasse a abolição da escravatura) foram experiências que questionaram o poder monárquico e, alimentados pelas ideias iluministas, desenhavam com suas mãos os caminhos da emancipação de Portugal, com vistas a ampliar a participação política no Brasil.
Como a história que acreditamos nos movimentos populares é aquela que os povos é quem fazem, em nossos dias, o 7 de setembro é marcado por milhares de pessoas que vão às ruas demarcar a exclusão de grande parte da população brasileira. Desde 1995 esse evento marca o contraponto de luta e resistência, denunciando que comemorar o tal grito do Ipiranga não contempla a história do povo brasileiro em sua totalidade plural, e ignora as mazelas que a colonização deixou como herança. O Grito dos/as Excluídos/as é um dia de luta para que a rebeldia em marcha supere o patriotismo fajuto de uma determinada camada social que pensa tudo em torno de si. É um dia em que fica demarcado por aqueles que amam o país de fato, que parte dele não pode ser escondido sob os escombros da desigualdade e do conservadorismo.
São 201 anos de um processo de Independência construído nos marcos da disputa entre dois projetos de Nação: de um lado, o projeto das elites que ainda permanece com valores de exploração de trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, da misoginia e com uma visão racista da população preta, que morre todos os dias pelas operações policiais e pelos latifundiários; de outro, um projeto democrático, que visa a participação de toda a sua gente na construção do país, que combate a fome, inclui as mulheres, negros/as, LGBTs, sem terra e indígenas como protagonistas da história. O Levante Popular da Juventude tem lado, sempre contando e construindo a história que semeia os ideias desse Brasil popular no qual queremos morar. E você, de que lado samba?