O termo “uberização” do trabalho faz referência a uma nova modalidade de emprego implementada inicialmente pela plataforma Uber de serviços, sua implementação no Brasil teve início em 2014, no Rio de Janeiro, e se espalhou pelo país através de aplicativos de comida, entregas e compras, com sua inserção as relações trabalhistas se deterioraram profundamente. Este sistema transcende a mera transformação nas dinâmicas laborais, representa uma reconfiguração profunda nas relações de trabalho, desprovidas de vínculos empregatícios formais. Na teoria, os trabalhadores são apresentados como microempresários de si mesmos, usufruindo de horários mais flexíveis e autonomia, contudo, na prática, essa aparente liberdade é frequentemente abalada pela ausência de garantias trabalhistas.
Segundo a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia, no Brasil, existem cerca de 1,27 milhão de pessoas trabalhando como motoristas e outras 385 mil como entregadores de aplicativos no país. A pesquisa nos mostra que entre os motoristas, 95% são homens, dos quais 62% se declaram negros ou pardos, possui em média 39 anos e trabalham em média 22 e 31 horas semanais; entre os entregadores, 97% são homens, dos quais 68% se declaram negros ou pardos, com média de 33 anos de idade e trabalham em média entre 13 e 17 horas semanais. Muitos dos trabalhadores ditos autônomos, se dedicam aos aplicativos de locomoção, entrega e compras como complemento de renda, ou seja, uma segunda jornada.
Por isso, no país, ocorreram diversas greves e paralisações dos trabalhadores exigindo direitos trabalhistas para exercerem a profissão; aumento da taxa mínima por entrega; fim das entregas duplas e triplas, que é quando o entregador realiza mais de uma entrega por viagem mas ganha apenas por uma; seguro em caso de acidente e morte, com o sistema de uberização o trabalhador arca com todos os ônus do trabalho. Enquanto as empresas que possuem o monopólio de entrega no Brasil, buscam impedir de todas as formas que os trabalhadores tenham seus direitos básicos, pois é através desse sistema que atingem lucros exorbitantes.
No Brasil, há uma série de ações trabalhistas que questionam a forma de operacionalização dos monopólios de entrega e a forma de contratação dos trabalhadores. Debate que hoje está em pauta no Supremo Tribunal Federal, relativo ao entendimento sobre o vínculo entre as partes. Motoristas e entregadores afirmam que os vínculos que eles possuem com as empresas possuem características dos estabelecidos pela lei trabalhista. No entanto, o Uber afirma que não há vínculo empregatício porque os motoristas são empreendedores independentes e podem determinar quais e quantas horas querem trabalhar.
O STF está julgando o Recurso Especial 1.446.336, em que o Uber questiona decisões provindas de outras instâncias que reconhecem o vínculo trabalhista entre as partes. Caso o tema seja considerado repercussão geral, o seu entendimento deverá ser aplicado a todas ações judiciais semelhantes, dando segurança jurídica às plataformas e, ao não reconhecer o vínculo, condenando os trabalhadores a fragmentação da relação de trabalho e a própria sorte.
O governo Lula buscou, através de um grupo de trabalho contendo todos os setores envolvidos, uma saída satisfatória para os trabalhadores de aplicativo e construiu um projeto de lei, já enviado ao congresso, para garantir alguns direitos, como: contribuição previdenciária ao trabalhador, com pagamento de 7,5% pagamento por hora trabalhada para ele e 20% para a empresa, jornada de 8 horas, pagamento de salário mínimo, reajuste anual igual ou superior ao do salário mínimo, serão criados sindicatos para a categoria, regulamentação da suspensão e expulsão dos trabalhadores pela plataforma, criando a categoria profissional de trabalhador autônomo por plataforma. Porém, por resistência das empresas, os trabalhadores que usam motos ficaram de fora das negociações.
Dessa forma, é crucial nos mobilizarmos pela garantia dos direitos trabalhistas que são resguardados pela Constituição Federal de 1988, conquistados através de uma longa história de luta dos trabalhadores do nosso país. Além disso, é importante nos mobilizarmos contra as limitações à competência constitucional da Justiça do Trabalho e a insegurança jurídica decorrente das decisões do STF. Tais medidas, se não confrontadas, acarretarão consequências profundas na vida dos trabalhadores, na equidade tributária, na arrecadação previdenciária e fiscal, e, sobretudo, nos direitos sociais.
Rafael Vidal – Coordenador de Relações Institucionais da FENED- UFF
Vitória Carolina – Membro da secretaria de juventude da ABJD- USP