Onde estão meus eleitores?

  • Autor do post:Pedro Pêra
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Estratégias para identificar geolocalização e preferências eleitorais

Na cena política contemporânea, compreender profundamente a localização e as preferências dos eleitores é crucial para o sucesso de qualquer estratégia eleitoral. Na era digital, os dados vem ganhando cada vez mais destaque nas campanhas eleitorais, aprimorando as análises políticas das campanhas acerca do seu eleitorado.

Este texto explorará os primeiros passos para identificar a geolocalização dos eleitores e destaca a importância dessa informação para a tomada de decisões em uma campanha eleitoral.

Entender onde estão os eleitores permite aos candidatos direcionar seus esforços de campanha de forma mais eficiente. Isso inclui reforçar territórios-chave, onde há mais eleitores alinhados ao candidato, ou explorar novas áreas com potencial para construir novas bases eleitorais.

Para identificar essas preferências, é fundamental que a campanha utilize uma combinação de metodologias. No presente texto, destaca-se o uso da geolocalização eleitoral e suas vantagens analíticas. Para tal, serão analisados os resultados do político Guilherme Boulos nas eleições de 2018, 2020 e 2022.

Será trabalhado alguns apontamentos colhidos pela pesquisa de opinião do DataFolha acerca da intensão de votos para prefeitura de 2024. Em que se aponta vantagem ao candidato Guilherme Boulos em relação ao Ricardo Nunes nos setores que possuem maior renda, escolaridade de ensino superior e na juventude.

Para iniciar a análise, é importante fornecer contexto sobre as eleições. Houve um amplo descontentamento em relação ao Partido dos Trabalhadores devido aos escândalos de corrupção envolvendo suas principais figuras, o que gerou um clima de insatisfação generalizada. Em 2016, a ex-presidente Dilma Rousseff sofreu um golpe político sob acusações de pedaladas fiscais, para além das imputações de corrupção. Em 2018, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva foi preso em abril do mesmo ano, o que impactou significativamente o cenário político até os momentos finais das eleições.

Peça publicitária da campanha de 2018

Neste contexto turbulento, o Partido Socialismo e Liberdade decidiu lançar a candidatura de Guilherme Boulos. Esta foi a primeira vez que Boulos concorreu a um cargo público, sendo conhecido anteriormente por sua atuação como coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e por sua participação no programa Havana Connection do portal UOL. Vale ressaltar a sua força em comparação a outras cidades, em São Paulo, onde ele construiu sua principal base política.

Gráfico gerado utilizando dados do TSE

O primeiro mapa mostra a distribuição dos votos de Boulos, destacando em amarelo os 10 territórios-chave com mais votos, enquanto o segundo mapa representa a distribuição de renda per capita em São Paulo. Observa-se que os principais votos do candidato estão nas periferias da cidade, especialmente em áreas com baixa renda per capita, conforme indicado no segundo mapa.

Mapa da Desigualdade 2020 — Rede Nossa São Paulo

É importante observar que o tamanho da população na localidade influencia de certa forma. Como as regiões periféricas têm uma população maior do que as regiões centrais, é lógico deduzir uma tendência a ter mais votos absolutos em áreas mais populosas. Uma forma de estabelecer um parâmetro de comparação é criar um quociente que relacione a quantidade de votos do candidato com o total de eleitores. Dessa forma, é possível ter um parâmetro de comparação com outras candidaturas quanto à influência do candidato em determinadas regiões.

Mapa da Desigualdade 2020 — Rede Nossa São Paulo

A geolocalização eleitoral é fundamental para identificar o território dos eleitores e verificar as possíveis disposições que podem ser mobilizadas com base em características socioeconômicas. Por exemplo, Guilherme Boulos lidera o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), um movimento urbano que luta por moradia. É possível deduzir, e isso pode ser confirmado por outras metodologias, que pode haver um apelo em um eleitorado que vive em condições de habitação precárias. Pode-se inferir que a candidatura de Boulos represente uma possibilidade de melhoria nas condições de vida do seu eleitorado. Além disso, sua candidatura pode despertar interesse em um eleitorado que não necessariamente precisa de moradia, mas que se identifica com a causa social, uma mobilização de um interesse altruísta.

Em 2020, foram realizadas as eleições municipais em meio ao mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro. O elemento da polarização política, desde 2018, será um ponto importante para compreender os contextos eleitorais. Por isso, a identificação partidária ganha espaço para compreender o comportamento eleitoral.

Peça publicitária da campanha de 2020

Na cidade de São Paulo, a preferência eleitoral pela ideologia de esquerda foi liderada por Guilherme Boulos, marcando a primeira vez em que o PSOL se torna a opção predominante nesse espectro em eleições majoritárias na cidade.

Mapa elaborado utilizando dados do TRE-SP

Em comparação com a última eleição, há uma reconfiguração dos territórios-chaves devido as alterações político-sociais no país. Em meio a pandemia do COVID-19, o debate sanitário, a validação científica, os valores sociais e a economia viram temas polarizadores vinculados a determinadas candidaturas.

A campanha do Boulos em 2020 conseguiu manter alguns territórios-chaves importante, em especial Rio Pequeno, Piraporinha e São Mateus. E reforçou territórios mais elitizados e/ou centrais, como Perdizes, Pinheiros, Vila Mariana e Bela Vista.

Boulos conseguiu reforçar e fortalecer as disposições nas periferias em que possuem bases eleitorais consolidadas. Enquanto ativou disposições de uma classe média que tende a simpatizar com valores progressistas, como valorização da ciência em um contexto de negacionismo, bem-estar priorizado pelo Estado, desenvolvimento sustentável e afins.

Apesar de contar com o apoio dos setores médios progressistas, a campanha enfrentou um desafio significativo com a candidatura de situação de Bruno Covas. Nesse cenário, os valores progressistas perderam força como elemento distintivo das candidaturas, resultando no enfraquecimento da campanha nos territórios centrais. Em contrapartida, as periferias emergiram como territórios-chave.

A avaliação de governo e a identidade ideológica tornaram-se fatores fundamentais para a decisão do eleitorado. O candidatura de situação finaliza a gestão com 25% de aprovação ótima e boa, 45% regular. Os votos ligados à extrema-direita optaram em votar em Bruno Covas, visto que é a candidatura que mais se alinha com alguns valores, em especiais, econômicos.

Peça publicitária da campanha de 2022

Em 2022, foram realizadas as eleições para presidenciáveis, governadores, senadores e deputados. Neste ano, marcado pela disputa presidenciável entre Lula e Bolsonaro, Boulos se candidata para concorrer à deputado federal. Com um resultado extraordinário, Boulos se elege como o deputado mais bem votado de São Paulo e o segundo mais bem votado do Brasil, perdendo apenas para Nikolas Ferreira (PL).

Sem muitas alterações das tendências comportamentais das últimas eleições, Boulos continua estável em alguns territórios-chaves periféricos, destaque para Piraporinha e Rio Pequeno em que são claros redutos de campanha do candidato.

Gráficos gerados utilizando dados do TRE-SP

Observando as quatro eleições em perspectiva, são bem nítido as regiões em que há uma facilidade maior em ativar as disposições do eleitorado e outras que há uma dificuldade maior. 

Das regiões que há uma dificuldade maior, destaca-se as zonas eleitorais da região nordeste da cidade e as da região leste que fazem fronteira com Guarulhos.

Mapa da Desigualdade 2020 — Rede Nossa São Paulo

Dessas regiões, vale destacar as seguintes zonas eleitorais: Jaçanã, Tucuruvi, Santana, Vila Maria, Vila Sabrina, Lauzane Paulista, São Miguel Paulista, Cangaíba, Ermelino Matarazzo, Vila Jacuí. Essas zonas eleitorais, aglutinam bairros que possuem índices médios e altos de população. Outra zona eleitoral que vale menção destacada é Pirituba em que há 18º bairro mais populoso da cidade e o 10º pior desempenho da campanha.

Favela do Sapé localizada no distrito do Rio Pequeno — Foto: @Rafaela Araújo

A partir da análise geolocalização eleitoral combinado com pesquisas de opinião e outros índices sociais podemos trabalhar algumas hipóteses para auxiliar as próximas campanhas eleitorais do candidato.

Boulos possui um eleitorado sólido em algumas zonas eleitorais, incluindo Piraporinha, Rio Pequeno e São Mateus. É importante compreender as principais motivações ativadas pela campanha, ou seja, entender quais sentimentos ela mobiliza nessa parcela do eleitorado. Para descobrir essas motivações, é possível utilizar metodologias qualitativas como grupos focais e pesquisas semi-dirigidas.

Boulos já conseguiu abrir entradas em territórios à noroeste da cidade, vale buscar uma campanha de reforço dos sentimentos mobilizados. Há um potência da região ser decisiva, devido ao alto índice de votantes e pelas aberturas territoriais já conquistadas em outros momentos.

Apesar de existir uma preferência por parte de um público mais elitizado pela campanha de Boulos, especialmente a partir de 2020, há um limite de participação eleitoral por esses setores. Ao analisarmos as eleições para prefeito de 2020, percebemos que a quantidade absoluta de votos não apresentou uma variação significativa do primeiro para o segundo turno. No entanto, o número de votos em Piraporinha mais do que dobrou entre o primeiro e o segundo turno. Isso indica que, embora alguns territórios já sejam favoráveis, ainda há espaço para um crescimento adicional.

Explorar regiões com alto índice populacional e baixo percentual de votos para Boulos é uma estratégia interessante para a campanha. Identificar os valores ativados pelas campanhas concorrentes ajuda a indicar as possíveis estratégias para aglutinar este eleitorado.

Mapa gerado a partir dos dados do TSE

Nessa perspectiva, em 2018, a campanha adotou estratégias para realizar campanhas em torno da questão da moradia em áreas com altos índices de favelização. Na zona eleitoral de Piraporinha, o principal território-chave em todas as campanhas de Boulos, estão localizados os bairros com a maior proporção de favelas por moradia, Jardim São Luís e Jardim Ângela, respectivamente.

Mapa gerado a partir dos dados do TSE

Vale mencionar também outras zonas eleitorais com altos índices de favelização e bons desempenhos eleitorais da campanha do Boulos: Campo Limpo, Brasilândia, Grajaú, Perus e entre outros.

Mapa gerado a partir dos dados do TSE
Mapa gerado a partir dos dados do TSE

Por outro lado, zonas eleitorais como Jaçanã, Vila Sabrina e Pedreira apresentam baixos percentuais de votação, mas altos índices de favelização e concentração populacional. Isso os torna locais com potencial para investigar quais temas os mobilizam, visto que a campanha de Boulos tem tido boa receptividade em localidades com altos índices de favelização.

É importante ressaltar que os marcadores sociais nos fornecem pistas sobre possíveis padrões de comportamento em determinadas regiões; no entanto, outros fatores também influenciam o comportamento do eleitorado, como experiências individuais, formação psicológica, contextos sociais, políticas públicas, entre outros. A geolocalização nos ajuda a identificar as primeiras localidades para realizar estudos qualitativos sobre o comportamento do eleitorado.

Essa análise mostra como entender os dados eleitorais nos dá pistas importantes sobre o comportamento das pessoas. Quanto mais detalhes conhecemos sobre o eleitorado, melhor podemos planejar estratégias que realmente os envolvam. Priorizando uma abordagem baseada em dados e análises cuidadosas, as campanhas podem se posicionar de forma mais certeira, buscando a vitória de maneira sólida.

Republicação do Medium

Pedro Pêra

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