Este ano iniciou com dois acontecimentos de grande impacto: no Brasil, ficou visível o caos do sistema carcerário com uma rebelião no Amazonas; Nos Estados Unidos, a notícia que impactou o mundo foi a autorização assinada pelo novo presidente Donald Trump para que se comece imediatamente a construção de um muro na fronteira com o México. Dois fatos aparentemente desconectados…
A fronteira dos Estados Unidos com o México tem mais de 3.000 quilômetros de extensão. Portanto o novo muro será uma obra gigantesca. Seu objetivo é o de impedir a entrada de mexicanos, nicaraguenses, costarriquenhos, brasileiros e tantos outros latino americanos que buscam trabalho no norte. É um muro que pretende isolar o império “civilizado” dos povos “bárbaros”, repetindo o que faziam os antigos romanos com seus vizinhos. Por outro lado, fico pensando se os muros brasileiros não serão maiores do que esse: temos aqui mais de 1800 presídios construídos. Temos uma das maiores populações encarceradas no mundo. Quantos quilômetros de muros será que temos no Brasil para estabelecer esta fronteira entre os cidadãos e os não cidadãos? A grande inovação brasileira, nossa tragédia, é o fato de construirmos muros para demarcar uma fronteira interior, difusa, entre aqueles que têm direito à liberdade e aqueles que não tem.
Como podemos apreciar mundo afora, parece que o capitalismo contemporâneo abandonou de vez as suas intenções libertárias. Se simbolicamente a queda do muro de Berlim demarcou a derrota da União Soviética em 1989 frente ao então autoproclamado “mundo livre”, hoje vamos tomando conta que esta suposta liberdade tende a se restringir à esfera do mercado. Para os fatores indesejados, constroem-se novos muros. O antigo lema da Revolução Francesa (liberdade, igualdade fraternidade) parece algo fora de lugar no mundo de hoje, um mundo de distopias do capitalismo selvagem. Frente a uma gigantesca onda migratória e uma intensa diversidade cultural e religiosa, as aspirações de liberdade humana sucumbiram frente à ideologia do medo.
Situações como essa revelam que estamos frente a uma verdadeira crise civilizatória. Um dos sintomas desta crise é o fato de que a classe dominante passa a abrir mão de estabelecer sua hegemonia na sociedade, de construir uma determinada ordem que possa ser aceita pela maioria, contentando-se em blindar-se atrás de muros. No caso brasileiro, não queremos aqui de discutir quem são os culpados pela situação atual, propor soluções imediatas para o problema da violência urbana, nem mesmo fazer um julgamento de valor sobre a conduta individual das pessoas. Trata-se sim de compreendermos que a situação atual é fruto tanto do fracasso do nosso sistema carcerário quanto dos valores sociais e condutas que fundamentam nossa vida coletiva como brasileiros. Este é o anúncio de um fracasso histórico, pois o que a elite é incapaz de aceitar é que, na vida real, os muros são ineficazes: o muro na fronteira com o México não impedirá a entrada de estrangeiros nos Estados Unidos, assim como os muros dos presídios brasileiros não diminuirão a violência na sociedade. Ambos são símbolos de um fracasso anunciado.
Então, então cabe a nós até mesmo a reconstrução de valores que foram abandonados: liberdade, igualdade, fraternidade. Essas são nossas armas para a luta num mundo que constroi muros. Certa vez perguntaram a Fidel Castro o que ele esperava do futuro, e sua resposta foi: “acredito que algum dia a humanidade viverá como uma grande família, todos viveremos como irmãos”. Não é exatamente por isso que lutamos?