Um cordel dedicado a Paulo Freire sistematiza em poucos versos o ideal de educação defendido pelo pedagogo durante todos os seus anos de vida: “Os meios tradicionais/ Usados para ensinar/ Paulo achava que não era/ O mais certo pra se estudar/ E sonhava achar um meio/ De Educação Popular”. Apesar de tamanha certeza de que a educação mercantilizada oferecida ao povo brasileiro desde a educação básica até o ensino superior não condiz com o sonhado para o Brasil, transformar a educação e produzir novas práticas permanece sendo um grande desafio para esquerda e para os movimentos sociais.
Provando que é possível caminhar na contra mão desse fluxo, foi inaugurado no último sábado, 28 de fevereiro, o Cursinho Pré Vestibular Popular em Maria Ortiz. A iniciativa, construída pela célula de educadoras e educadores do Levante em parceria com o Movimento Passe Livre – Grande Vitória (MPL-GV) e a Associação de Moradores de Maria Ortiz (AMMOR), vai atender 35 estudantes do bairro e de diversos locais da região metropolitana de Vitória.
As aulas acontecerão todos os sábados do ano, durante o dia inteiro. A participação no projeto é gratuita e oferecerá, inclusive, alimentação aos estudantes durante os períodos de aulas. Colaboram com o projeto 30 professores voluntários, além de outras 15 pessoas que se organizam na coordenação do cursinho divididos entre as comissões de secretaria, infraestrutura, articulação e finanças. Além disso, duas moradoras do bairro contribuirão com as tarefas da cozinha.
A realização do projeto foi possível devido ao trabalho de base iniciado em 2014 durante a campanha do Plebiscito Constituinte. A associação de moradores foi convidada pelo Levante para contribuir na campanha, firmando-se, dessa forma, uma importante parceria. Segundo Gutemberg de Oliveira, militante da célula de educadores do Levante e professor de geografia e espanhol do projeto, a ideia surgiu “em uma conversa com jovens do bairro sobre a necessidade de um cursinho para ajudar a juventude que está atualmente se vinculando fortemente com o trafico de drogas, outros que perderam a esperança em fazer um curso superior, outras que não podem fazer um cursinho pré-vestibular privado devido aos altos custos. Aí procuramos pessoas com disposição e coragem para enfrentar o desafio, foi quando encontramos os militantes do MPL-GV que também moram no bairro, e assim começamos a articular com amigos e amigas que podiam contribuir como educadores, além de pessoas que somaram na coordenação”.
Com muita expectativa e curiosidade, os estudantes selecionados para participar do projeto compartilharam suas histórias e objetivos durante a abertura do cursinho. A jovem Micheli dos Santos Silva, 24 anos, é moradora do bairro e soube da iniciativa através de um cartaz no ponto de ônibus. Vinda de uma família de 5 irmãos, Micheli afirma não ter tido muitas oportunidades de estudar. Ela chegou a ingressar em uma faculdade através de bolsa parcial, porém, devido a precarização do ensino e do alto valor da mensalidade (mesmo com bolsa), se viu obrigada a desistir do curso de arquitetura. Atualmente casada, trabalhando e criando uma sobrinha, a jovem via seus sonhos se distanciarem cada vez mais pela falta de oportunidades. Agora, integrando a turma do cursinho popular, Micheli espera “alcançar algo que nunca teve oportunidade na vida por falta de condições”, pontua.
Ester Vaz, militante do MPL-GV e professora de biologia do projeto, reforça a importância de um cursinho pré vestibular de caráter popular: “Existem os pre-vets que são pagos e enxergam cada aluno como um sifrão a se multiplicar. Existem os pré-vests gratuitos, que buscam passar os alunos no vestibular. A nossa intenção como cursinho Popular é que as pessoas do nosso bairro entrem na universidade e não só se formem, mas também abram caminhos, enfrentando o racismo, o machismo e o elitismo. Contribuindo, assim, para que outras pessoas vindas da mesma realidade consigam fazer o mesmo. Enfim, não queremos que eles entrem e saiam da universidade sem transforma-la”, conclui. Ainda sobre as diferenças entre um cursinho tradicional e um popular, Gutemberg acrescenta aspectos como “a sua característica politica de participação popular e comunitária, onde as pessoas se sentem parte e desenvolvem um sentimento consciente de pertença, cuidado e compromisso com o cursinho. A sua característica organizativa, conduzida por movimentos sociais compromissados com a transformação do Brasil. Outra grande diferença é que o cursinho é gratuito, realizando um embate às grandes empresas que mercantilizam a educação e alienam a juventude com competitividade e esvaziamento de formação politica e humana para entrar no mundo da academia”.
Iniciativas como essa contribuem para que o projeto popular se concretize e se consolide no meio urbano, onde são grandes as limitações em mobilizar lutas que tragam mudanças concretas na vida das pessoas. Politicamente para o Levante esse projeto concretiza uma batalha das ideias na construção de um projeto popular de educação. Segundo Gutemberg, o cursinho “traz a juventude excluída, para a batalha das ideias, incomoda muito a elite branca do pais, vendo a juventude pobre, negra e periférica, se intelectualizando ocupando espaços de poder e tendo acesso aos conhecimentos socialmente acumulados pela humanidade, restringidos e de acesso historicamente pela burguesia”.
O cursinho funcionará durante todo ano não só voltado ao objetivo de que todos os jovens sejam aprovados no vestibular, mas também para que, através da ponte entre comunidade e movimentos sociais, uma semente de luta e organização popular seja plantada em Maria Ortiz.
Que a universidade se pinte de Povo!