*Militantes Ana Flor e Gustavo falam dos principais desafios enfrentados pelas pessoas trans*
Na semana dedicada à luta pela visibilidade trans o Levante Popular da Juventude está realizando várias atividades pelo Brasil. São debates, panfletagens, colagens de cartazes pelas cidades e universidades para mostrar para a sociedade a importância desta luta.
No dia 26 fizemos uma ação jogando purpurina no deputado Jair Bolsonaro, com objetivo de expor um dos principais representantes do projeto de sociedade conservadora e antidemocrática. Uma figura notadamente misógina, racista, homo-lesbo-transfóbica e machista.
Na tentativa de dar visibilidade às pessoas trans, fizemos uma bate-papo com Ana Flor (PE) e Gustavo Nazareth (SP), militantes do Levante Popular da Juventude sobre suas percepções desta luta.
[Levante]: Por que é necessário lutar pela visibilidade trans no Brasil?
[Gustavo]: Em primeiro lugar, porque o Brasil é o país que mais mata travestis e transsexuais no mundo. Sofremos violência física tanto por parte do Estado – na atuação da Polícia, na falta de políticas públicas de assistência médica e social – quanto por parte da população, que ainda é muito conservadora e intolerante.
Em segundo lugar, sofremos também violência psicológica cotidiana, pois são poucos os espaços públicos e privados que respeitam a identidade de gênero das pessoas trans, restringindo o uso do banheiro e do nome social.
Para além disso, enfrentamos um cenário de exclusão social, no qual não somos reconhecidos enquanto cidadãos. Isso reflete em dificuldade de acesso à saúde, à educação – há um índice preocupante de evasão escolar de travestis e transsexuais -, ao lazer e a oportunidades de emprego dignas – muitas mulheres trans são obrigadas a se prostituírem para garantirem sua sobrevivência.
[Levante]: Como você percebe a violação de direitos às pessoas trans?
[Ana Flor]: Falar de violações de direitos das pessoas trans é falar sobre construção social, onde encontramos um histórico de exclusão fincado sobre grupos específicos de pessoas. Dentre essas, uma grande parcela de pessoas trans e travestis que por conta de uma construção patriarcal, machista, cisgênera e excludente, são colocadas para fora de casa desde o primeiro momento que assumem suas identidades. Por exemplo: segundo dados da ANTRA, 90% das travestis e mulheres trans estão na prostituição. Quando pensamos essas mulheres e essa grande porcentagem, precisamos entender que existe, raça, classe e gênero sobre elas. Logo, torna-se perceptível que elas estão ali por um motivo: exclusão estrutural construída através de um sistema que exclui qualquer pessoa que não seja lida enquanto saudável para ele. E quem seria esse causador? Sem dúvidas: o capital.
[Levante]: Quais são os principais desafios para dar visibilidade a população trans no Brasil?
[Gustavo]: Para dar visibilidade às pessoas trans encontramos muitos desafios. O primeiro deles é a própria sustentação da luta pelos sujeitos dessa pauta, que estão ocupados com luta diária pela sobrevivência – a expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil é de 35 anos. A insuficiência das políticas públicas de acesso ao trabalho também é um fator, pois impede que as pessoas trans tenham condições materiais mínimas e possam contar com um futuro digno. Outro desafio é a representatividade nas instâncias de poder. Uma conquista foi a nomeação, em 2013, de Symmy Larrat para a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Porém a dificuldade permanece em outros âmbitos: no Congresso Nacional, por exemplo, não temos nenhuma representação, o que contribuiu para diversas derrotas em 2015. Um exemplo foi a discussão sobre gênero nos Planos de Educação das escolas públicas. A vitória dos setores mais reacionários no Legislativo representa um obstáculo para uma educação emancipadora, que inclua travestis e transsexuais e combata a LGBTfobia na população. A não atuação efetiva da esquerda, que não prioriza as pautas das pessoas trans, é uma das causas dessas repetidas derrotas do movimento LGBT – como a Lei de Identidade de Gênero (Lei 5002/2013), que ainda pende de aprovação.
[Levante]: As pessoas trans estão excluídas do mercado de trabalho formal e da educação superior. Como é possível transformar essa realidade?
[Ana Flor]: Primeiro, antes de tudo, é preciso que fique explicito que esse é um problema estrutural. Sendo assim, se é lido enquanto problema é preciso que criemos mecanismos para que esse problema seja resolvido. É necessário que pensemos em mudanças políticas no sistema que estamos inseridas e inseridos. Logo, pensar estratégias de mudanças políticas é uma das ferramentas mais importantes e, com toda certeza, é preciso que sejam usadas. Como podemos falar sobre mudanças para grupos específicos se esses não conseguem ter referências e sentir-se representados por um Congresso Nacional, por exemplo? Quando falo em mudança visando uma construção social saudável quero dizer que: se essas acontecem teremos travesti, preta, pobre, periférica tendo acesso não só ao ensino superior, mas podendo viver bem. E, para isso, é preciso entendermos que falar de travestilidade é falar sobre classe, raça, gênero e política. Quando lembro que a perspectiva de vida das pessoas trans no Brasil é de apenas 35 anos, isso faz com que eu levante todos os dias e diga: “eu quero uma reforma no sistema político brasileiro”. E que, de fato, essa reforma deve vir através do povo, para o povo, e com o povo. E digo mais: eu me sentirei contemplada se esse ‘povo’ for travesti. Sim, isso mesmo, TRAVESTI.
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