Os movimentos populares, organizações políticas e partidos de esquerda que estão à frente da luta contra o golpe travestido de impeachment, fazem um amplo debate sobre a saída da crise que devemos apontar para a sociedade brasileira.
Duas posições se evidenciaram nesse debate. Uma proposta é fortalecer a luta contra o golpe, pelo “Fora Temer” e contra a retirada dos diretos dos/as trabalhadores/as pelo governo ilegítimo até o fim do processo no Senado. A outra proposição supõe que é possível derrotar o impeachment e conseguir o número necessário de senadores se a presidenta Dilma Rousseff fizer o compromisso de apoiar a convocação de um plebiscito para consultar a população sobre a antecipação da eleição presidencial.
Os argumentos levantados por aqueles/as que defendem a segunda posição é de que a presidenta Dilma já não teria mais “condições políticas” de voltar a governar o país. Afinal, seus índices de popularidade são baixíssimos e existe um Congresso Nacional que inviabiliza sua gestão.
Além disso, esses setores da esquerda acreditam que os senadores irão mudar seu voto se for apresentada uma “proposta republicana”, no caso, a antecipação da eleição.
A questão é que, em primeiro lugar, a popularidade de Dilma é baixa justamente porque – na tentativa de conciliação com as forças que vieram a apoiar o golpe – aplicou um ajuste econômico de natureza neoliberal, cobrando a fatura do povo brasileiro, com cortes de direitos, dos programas sociais e dos investimentos em saúde e educação.
Com isso, o governo ajudou a pavimentar o caminho do golpe, com a perda de apoio das camadas populares, que a reelegeram em 2014 com a promessa de implementação de um programa avesso ao aplicado pelo ministro Joaquim Levy.
Em segundo lugar, a inviabilidade que esse Congresso impõe à Dilma será compelido a qualquer governo progressista. Não se trata apenas de uma “antipatia à Dilma”, como simplificam alguns, mas dos interesses políticos de classe que determinam tal oposição.
Por fim, deve-se questionar: será que essa “proposta republicana” tem mesmo condição de reverter os votos dos senadores “indecisos”?
Será que eles estão preocupados com o país ou com tão somente seus interesses pessoais?
Quem são e por que esses senadores já não vieram a público apresentar essa saída da antecipação das eleições?
Até o mundo mineral sabe que, neste momento, eles estão no balcão de Temer, apreciando as “ofertas”, e farão o mesmo com os interlocutores de Dilma Rousseff.
O que a presidenta precisa fazer é escrever uma carta à Nação para apresentar qual programa e ao lado de quais forças sociais estará se reconquistar o governo. Em nossa opinião, Dilma deve adotar as linhas programáticas apresentadas pela Frente Brasil Popular, que aponta para as reformas estruturais.
Defendemos acabar com a farra dos bancos, diminuindo a taxa de juros; responsabilizar os mais afortunados pela crise, taxando lucros, dividendos, herança, fortuna e riqueza; retomar a construção de moradia popular; acelerar o programa de reforma agrária popular; ampliar as universidades públicas para atender à demanda da juventude, entre outras medidas.
O nosso sistema político é uma herança maldita da ditadura militar, sendo conformado para atender os poderosos de sempre e só dá “condições políticas” para governar àqueles que atendem seus interesses. Não foi a Dilma que perdeu condições políticas de governar, mas o programa neodesenvolvimentista que se esgotou no quadro da crise mundial do capitalismo, bloqueando qualquer inclinação popular do governo sem enfrentar os interesses do grande capital.
Com a crise econômica global e o acirramento da luta de classes, não é possível reproduzir aquele modelo de “ganha-ganha” que garantiu altas taxas de acumulação do grande capital, conferiu ganhos aos trabalhadores com a política de valorização do salário mínimo e melhorou as condições de vida dos mais pobres com programas sociais.
Logo, não é a saída mágica de antecipar a eleição presidencial, neste momento, nos marcos desse apodrecido sistema político, que vai nos tirar dessa crise. O que precisamos, de fato, não são mais eleições, mas reformular as regras pelas quais elegemos nossos representantes. Não falar disso é uma postura política irresponsável. Necessitamos de uma profunda e radical reforma política, que não virá desse Congresso.
A nossa presidenta e companheira de gestão da União Nacional dos Estudantes (UNE), Carina Vitral, afirmou que devemos devolver ao povo o direito de decidir sobre os rumos do país com o plebiscito sobre a antecipação da eleição presidencial.
Nós temos discordância com essa proposta. Em primeiro lugar, porque depois do golpe em curso, que nós estamos combatendo juntos nas ruas, não temos garantia nenhuma de que o mandato do presidente eleito será respeitado.
Em segundo lugar, avaliamos que as regras para a eleição dos nossos representantes não correspondem aos anseios da nossa sociedade, especialmente da juventude. O processo eleitoral é dominado pelo poder econômico, não há instrumentos efetivos de participação direta e o Estado brasileiro não tem uma estrutura para atender as necessidades do povo brasileiro.
Por isso, defendemos a convocação de uma Assembleia Constituinte para fazer uma profunda reforma do sistema político, da estrutura do Estado, do modelo oligopolizado de comunicação e do Poder Judiciário.
Temos dúvidas também se a maioria do movimento estudantil é simpática à ideia de nova eleição, como disse a companheira Carina. O que vemos entre os estudantes é um grande desinteresse com a política institucional, uma grande desconfiança com os partidos e pouca esperança em transformar o país dentro desse sistema político.
Por outro lado, existe uma adesão expressiva e crescente nas bases estudantis à luta contra o programa neoliberal do governo golpista, que se materializa na palavra de ordem “Fora Temer”, que é, inclusive, o consenso que existe hoje na diretoria da própria UNE e na Frente Brasil Popular.
Talvez essa bandeira seja assumida pelos estudantes, no entanto, ainda não é um fato consumado. Neste momento, é um grave erro político, porque abriríamos mão do mandato que o povo deu a Dilma na eleição e que termina apenas em 2018. Por isso, defendemos abrir um amplo debate com os estudantes nas escolas, cursos técnicos e universidades para discutir a saída para a crise e massificar a mobilização, garantindo a unidade do movimento estudantil na luta pela democracia e pelas reformas estruturais.
A proposta de plebiscito para antecipar a eleição, na nossa avaliação, mais do que inócua, é um verdadeiro tiro no pé. Pois, compromete nosso principal acúmulo construído até aqui: a unidade das forças populares e democráticas contra o golpe, em sintonia com o sentimento da nossa sociedade. Assim, além de enfraquecer nossa luta contra o golpe, essa proposta poderá ser sequestrada por aqueles que já demonstraram lado nessa luta, que poderão aceitar esse acordo para legitimar a ruptura constitucional.
Não duvidamos das boas intenções dos envolvidos, mas a admissão do plebiscito para encurtar o mandato da presidenta Dilma, a partir dessa proposta de setores da esquerda, será a reprodução da velha prática de conciliação pelo alto, típica do modus operandi das elites brasileiras.
Na década de 80, o processo de redemocratização tutelado pelo “centrão”, composto por uma maioria do MDB, fundou uma “Nova República” sem enfrentar as feridas abertas pela ditadura militar. Agora, com a proposta de antecipação da eleição presidencial, a farsa se repetirá como tragédia, porque representará a anistia dos golpistas e a coroação desse mesmo “centrão” que sustenta esse sistema político que foi construído por aqueles que não queriam – nem querem – perder o poder.
*Thiago Pará, secretário-geral da UNE e dirigente do Levante Popular da Juventude