É mais fácil condenar quem já cumpre pena de vida.

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Ilustração: Lucas Gertz

Em meio a uma pandemia que está matando uma média diária de 3.000 brasileiros, com o sistema de saúde colapsado e sem data para a vacinação em massa do nosso povo, a ala ideológica do Bolsonarismo bota mais uma vez as garras para fora, agora atingindo a segurança pública. 

Representante do antigo partido de Bolsonaro tenta aprovar um projeto de lei que ataca diretamente o direito de adolescentes e jovens, alterando artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Código Penal Brasileiro, com a intenção de penalizar ainda mais a juventude negra e periférica. Esses projetos são colocados em discussão sempre próximo ao ano de eleições presidenciais e, para Bolsonaro, que ganhou com a bandeira da redução, é uma pauta muito querida para agradar os setores que o elegeram. 

O PL de nº 661/2021, proposto pelo deputado do PSL/MG Alê Silva, propõe alterar os  artigos 108º e 121º do ECA. O art. 108º, que diz respeito à internação – prisão – preventiva de adolescentes que cometeram ato infracional, visa aumentar o prazo máximo de 45 para 360 dias, ou seja, quase um ano. Já a alteração para o artigo 121º, prevê dobrar o tempo de internação nas unidades de socioeducação, de três anos para seis e também mexe na liberdade compulsória, que atualmente é de vinte um, e passa a ser vinte e quatro anos.  Ao que diz respeito ao código penal Brasileiro, o deputado pede para que o artigo 63º, que verifica a reincidência, passe a valer também para os adolescentes que cometeram crimes hediondos, indo contra o que diz o ECA e o SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo). A desculpa usada pelo deputado é que esse projeto busca tornar mais rigorosa a punição de adolescentes que pratiquem atos infracionais graves, reduzir o “sentimento” de injustiça e impunidade que ronda em torno desses atos e os afastar do mundo do crime. 

O deputado Alê Silva parece não conhecer a realidade dos adolescentes e das unidades de socioeducação do nosso país. O levantamento mais atual do SINASE (2019) aponta que a grande maioria, principalmente no Nordeste, de jovens em privação de liberdade são pretos e pardos e diversas pesquisas mostram que eles vem de uma realidade de vulnerabilidade social, muitas vezes inseridos no trabalho infantil, com pouco acesso a políticas públicas e a presença constante do braço armado do estado – a polícia. Não só isso, o racismo e a violência entre facções parece fazer parte do cotidiano desses adolescentes e jovens, que acabam normalizando a violência e as violações sofridas por eles. Com essas trajetórias de vida, lutando para ter acesso a bens de consumo e fazer parte da sociedade “você é o que você tem”, muitos acabam se inserindo no tráfico de drogas, como uma saída financeira ou se envolvendo em facções, para se sentir pertencentes a um grupo social. Passam da invisibilidade social para a visibilidade penal, que os leva ao cumprimento de uma medida socioeducativa.

O ECA aponta seis medidas socioeducativas, sendo a de último caso a medida de internação, mas não é o que acontece. Atualmente temos mais jovens presos, ou à espera de sentença, que cumprindo medidas alternativas, gerando uma superlotação das unidades e os colocando em situações precárias. As unidades socioeducativas de internação são um puxadinho com paredes azul bêbe dos presídios Brasileiros, um inferno com um nome bonito, que submete os adolescente a condições subumanas de convivência como: superlotação; falta de atividades pedagógicas e educativas; estrutura física incompleta e insalubre; presença de doenças de pele, respiratórias, ISTs e psíquicas; despreparo de funcionários e gestores para a realidade socioeducativa; falta de acesso pleno à saúde; abusos – sexuais e físicos – sofridos pelas mãos dos colegas ou agentes; e a medicalização desnecessária como método de controle de comportamento. Um verdadeiro “estado de exceção” da condição humana, penalizando duplamente esses adolescentes, primeiro pelo seu crime e segundo pela sua simples existência quanto sujeitos, ao serem colocados naquelas condições. 

A adolescência é uma das fases mais importantes para o desenvolvimento dos sujeitos, onde construímos nossas relações, encontramos nossos grupos de pertencimento, uma fase de engajamento social e das paixões ardentes. Com esse projeto de lei, um jovem que for preso aos 12 anos, e cumprir todos os seis anos propostos, perderá todas essas experiências e será inserido diretamente na vida adulta, carregando ainda por cima o estigma de “ex presidiário”. Ademais, as medidas socioeducativas têm o caráter de curta duração exatamente para garantir que esse desenvolvimento psicossocial e essas experiências sejam plenamente vividas por esses adolescentes e jovens, e não tendo essa fase da vida totalmente usurpada pelo sistema penal. 

Do que adianta aumentar o tempo de internação e a idade de saída compulsória, se o jovem egresso retorna para a mesma realidade social que o inseriu no sistema socioeducativo?

Esse projeto é racista e classista, com a falácia de que vai reduzir o número de crimes cometidos por adolescentes. O que pode reduzir verdadeiramente os crimes é o investimento em políticas públicas para juventude e suas famílias, que alterem sua realidade social e que garantam o acesso pleno à saúde, educação, trabalho, cultura, esporte e lazer, onde nossa juventude pobre não precise mais escolher entre o trabalho mal remunerado ou o crime, e que seus sonhos se tornem realidade, que suas potencialidades sejam valorizadas e que nossas universidades sejam pintadas de povo. 

Nosso dever é organizar a juventude contra toda e qualquer pauta que mexa com o sistema socioeducativo, seja no tempo de medida ou com a redução da idade penal. Se queremos lutar por um Brasil mais igual, precisamos levantar a bandeira contra a redução e contra essa PL, como fizemos em 2015 no congresso da UNE e ter no horizonte um projeto popular para juventude, onde caibam os sonhos e anseios da juventude negra e periférica. 

Pátria livre, venceremos!