Além dos Muros: O Papel das Saídas Temporárias

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As saídas temporárias são um importante instrumento estabelecido na Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/84) para possibilitar que pessoas presas tenham, gradualmente, a oportunidade de ressocialização, de reconectar-se com suas famílias e de reintegrar-se à sociedade após cumprir parte de sua pena. Assim, as saídas temporárias são permitidas para pessoas detidas em regime semiaberto e podem ser concedidas até cinco vezes ao ano, com cada saída podendo durar até sete dias corridos.

Além de outros critérios, como o tipo de crime, para que alguém possa ser transferido para o regime semiaberto e obter a concessão das saídas temporárias, é necessário cumprir os requisitos estabelecidos na Lei, como o cumprimento de um sexto da pena para primários e um quarto da pena para reincidentes, além da comprovação de boa conduta carcerária (art. 123).

É importante ressaltar que as saídas temporárias têm como objetivo a recuperação social dessas pessoas, sendo um direito conquistado diante de um sistema prisional que não consegue proporcionar formas adequadas de ressocialização internamente. Assim, constituem-se como um instrumento essencial para permitir que as pessoas retornem ao convívio social em um sistema prisional frequentemente desumano.

Por que as saídas temporárias estão em debate?

Na semana seguinte ao carnaval, foi aprovado pelo Senado um projeto que possibilita a proibição das chamadas “saidinhas”. Como o texto sofreu modificações no Senado, ele retornará para ser debatido na Câmara dos Deputados. Esta movimentação legislativa mobilizou a reação de pesquisadores e ativistas de direitos humanos, que há muito defendem e lutam pela implementação de medidas desencarceradoras e pela garantia da dignidade humana nos estabelecimentos prisionais.

No contexto carcerário brasileiro, marcado por graves violações de direitos, a saída temporária representa uma medida humanitária, buscando aliviar o sofrimento decorrente da prisão. O processo de visitação nas penitenciárias é complexo e afeta a convivência familiar devido a revistas vexatórias, ao ambiente prisional e ao distanciamento das instituições das cidades, o que encarece as despesas de transporte, muitas vezes insustentáveis para as famílias.

As saídas temporárias desempenham também um papel de estímulo para a população prisional, que, vivendo diariamente em um ambiente desumano, passa a buscar uma conduta adequada, a trabalhar nos estabelecimentos prisionais e a desenvolver atividades com o objetivo de remir a pena e, assim, conquistar o direito à saída temporária, reencontrar os familiares e trabalhar externamente para contribuir financeiramente com o sustento familiar.

É importante enfatizar que os argumentos daqueles que defendem o fim das saídas temporárias são, além de inconstitucionais e desumanos, infundados. Como já mencionado, sendo praticamente a única forma de ressocialização para muitos detentos, os dados sobre as saídas temporárias indicam que 95% retornam às unidades prisionais ao término do período da saída temporária, ou seja, a grande maioria.

O debate necessário é sobre uma nova forma de justiça, que não reforce medidas punitivistas para uma população já desprovida de políticas públicas e abandonada pelo Estado. A justiça que precisamos discutir é aquela que reconhece sua ausência no cotidiano da população e, em vez de ser vingativa, apresenta políticas de desencarceramento e ressocialização.

Liciê Scolari – Coordenadora de Ensino, Pesquisa e Extensão da FENED (UFPEL)

Lara Crochi – Advogada e Ex – coordenadora de Ensino, Pesquisa e Extensão da FENED (UFPEL)

Maylla Lacerda – Bacharel em Direito e Ex – coordenadora de Relações Institucionais da FENED (UFPB)