Nesse dia 31 de março completam-se 51 anos do golpe militar que depôs o presidente João Goulart e impôs uma ditadura de duas décadas ao povo brasileiro. Durante o período de 1964 a 1985 foram diversos crimes e atrocidades cometidos por agentes do Estado contra aqueles e aquelas que levantaram a bandeira da resistência.
O relatório da Comissão Nacional da Verdade, divulgado em dezembro de 2014, foi importante passo para a reconstituição da memória e da verdade. Nele estão listados mais de 400 nomes entre mortos e desaparecidos na ditadura, dentre os quais, 208 pessoas não tiveram seus corpos localizados. A violação de direitos humanos se estendeu através das prisões arbitrárias, torturas e ocultações de cadáveres promovidas sistematicamente enquanto políticas de Estado.
Para dar suporte e legitimação ao regime foram criadas leis repressivas e órgãos de informação com o objetivo de vigiar, capturar e eliminar quem fosse considerado inimigo. Entre 1964 e 1969, a ditadura baixou decretos conhecidos como Atos Institucionais, para suspender direitos políticos, estabelecer eleições indiretas para presidentes, dissolver os partidos existentes e impedir a liberdade de expressão.
Mesmo após a imensa mobilização social, iniciada pelas greves operárias do ABC paulista nos anos 80 e que culminaram na campanha pelas Diretas Já, muitas estruturas da ditadura se mantiveram ativas e impediram que houvesse a justiça em relação às violações dos direitos humanos. Uma norma jurídica que possui grande responsabilidade pela blindagem dos agentes militares é a Lei da Anistia, assinada em 1979, em uma correlação de forças favorável aos ditadores e torturadores.
Naquele ano ainda se vivia o período mais duro da ditadura, com milhares de presos políticos. Por isso, a sociedade desejava a anistia. Porém os ditadores aproveitaram a oportunidade para se “autoanistiarem”. Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos considerou a Lei de Anistia contrária às normas jurídicas internacionais, pois os crimes contra a humanidade não podem ser anistiados e recomendou ao Brasil a revisão dessa Lei. Mesmo assim, o parecer do Supremo Tribunal Federal manteve interpretação atual, que livra a pele dos torturadores.
Conforme demonstraram as investigações da Comissão Nacional da Verdade, o regime militar utilizava métodos específicos de violência, degradantes e desumanos, para diferentes segmentos da população. Conforme se apurou em depoimentos, a violência sexual e de gênero era utilizado como instrumento de poder.
O relatório por fim apresenta 29 recomendações ao Estado brasileiro que dizem respeitos ao reconhecimento dos crimes, à necessidade da continuidade das investigações e a mudanças jurídicas permitam a responsabilização dos agentes envolvidos. Sem a realização da justiça, com a punição dos responsáveis pelos crimes, não é possível impedir que as violações de direitos humanos sigam acontecendo atualmente. Não será possível desmilitarização das Polícias Militares, que foram criadas durante a ditadura militar, nem o combate do extermínio da juventude preta e pobre das periferias.
O envolvimento das empresas com a ditadura
Durante a ditadura, a repressão política não foi realizada por apenas um órgão. O que ocorria era a articulação do Exécito, Marinha e Aeronáutica, além das Polícias Civil e Militar e frequentemente o apoio de agentes da sociedade civil. O principal órgão de repressão criado pela ditadura era o DOI-CODI, comandado pelo torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra. O DOI-CODI foi montado a partir da Operação Bandeirante (OBAN), entidade de combate à subversão que contou com o apoio logístico e financeiro de diversos empresários. Como divulga o relatório da Comissão Nacional da Verdade, entre os doadores privados estão o Grupo Ultra, a Ford, a GM, o grupo Camargo Corrêa, a Folha de São Paulo, Amador Aguiar (Bradesco).
Quando comparamos essa lista com os principais financiadores de campanha eleitorais, encontramos as mesmas empresas, ou aquelas que foram favorecidas pelo modelo de desenvolvimento concentrador e protecionista da ditadura militar. Vejamos, na lista dos maiores financiadores de campanha: entre 2002 e 2012, a Camargo Corrêa “investiu” mais de 170 milhões de reais nos seus candidatos. Nas eleições de 2014 a construtora Andrade Gutierrez (33 milhões de reais) e o banco Bradesco (mais de 30 milhões de reais) estão entre os dez maiores financiadores de campanha.
O banqueiro Gastão Vidigal, dono do Banco Mercantil, os empresários Israel Klabin, presidente da Klabin, José Ermírio de Moraes, da indústria de cimento Votorantim, Henri Burke, da Gerdau são outros exemplos de agentes civis que arrecadam recursos para a ditadura, ligados a grupos econômicos que interferem na nossa democracia.
As empresas que pagaram a tortura são as mesmas que controlam atualmente o nosso sistema político. Favoreceram-se do modelo de desenvolvimento concentrador e protecionista da década de 70 e hoje são as maiores beneficiárias dos contratos públicos e esquemas de corrupção. Em função do grande desiquilíbrio causado pelo financiamento privado de campanha, nunca existiu tão pouco povo dentro do Congresso Nacional.
Nesse momento de polarização da sociedade, em que a direita vai para as ruas pedindo intervenção militar, é nossa principal tarefa construir unidade contra os golpistas e denunciar a podridão do sistema político herdado da ditadura. Sua reforma profunda dependerá da força do povo organizado para exigir uma Constituinte Exclusiva e Soberana.